quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A batalha íntima de Verdi



Boito e Verdi em Santa Agata: o maestro domou e subjugou um de seus
mais duros críticos. Parceria começou com Simone e incluiu Otelo e Falstaff






Verdi tinha 70 anos quando iniciou uma batalha íntima que tinha por objetivo colocar por terra um de seus mais severos críticos: Arrigo Boito. É bem verdade que o tempo passara e a maturidade fizera bem ao então polêmico compositor de Mefistófeles.

Mas, Verdi era um turrão e tanto. A revisão de Simone Boccanegra havia sido um sucesso. A pena de Boito dera luminosidade a um libreto originalmente confuso e obscuro. Mas, daí a criar afeto ou amizade, ia uma grande distância. A história do doge de Genova foi reescrita através de longas cartas.

Giulio Ricordi, o editor das partituras de Verdi, teve uma performance genial para convencer o maestro a receber Boito em Santa Agata, a fazenda as margens do Pó, onde o mestre de Roncale construíra uma fortaleza. Pois em meio a generosas doses de grapa e café nasceu a versão de ambos para um dos mais famosos dramas shakespearianos.

Três anos depois, Verdi partiu para Milão com a partitura embaixo do braço para dirigir pessoalmente a montagem de seu Otelo. Boito havia universalizado o preconceito e a inveja, transformara o piloto mouro na própria humanidade. E o maestro havia compreendido e refletido isso em sua partitura.

Os ensaios foram longos e repetitivos. Verdi cuidava de cada detalhe e exigia muito de Francesco Tamagno, o primeiro tenor a encarar papel tão difícil. Franco Faccio, o maestro, era chamado a acompanhar primeiro no piano e depois a arrancar a pele da orquestra do Alla Scala.

No dia 5 de fevereiro de 1887, o pano subiu para Otelo. Uma engenhosa máquina simulava o mar agitado de Veneza, outras imitavam os relâmpagos e o efeito dos ventos. Uma massa coral apreensiva primeira e exultante depois, assistiu a incrível perícia do piloto mouro que conduziu a nave em segurança.

Desde então, a penúltima ópera de Verdi tornou-se um desafio para regentes e cantores e porque não para diretores de cena e registas. Pessoalmente gosto muito da interpretação do tenor canadense Jon Vickers, sob a condução de Túlio Seraffin para a Ópera de Roma, com Titto Gobbi no papel de Yago. Mas, não se pode deixar de registrar a performance de Ramon Vinay, no Festival de Salzburg, em 1951, com a Filarmônica de Viena regida pelo mitológico Wilhelm Furtwangler.

O nosso Palco da Cidade, o Municipal velho de guerra se prepara para abrir a temporada de 2015, nada mais, nada menos que com o Otelo de Verdi. A Sinfônica Municipal voltou das férias e nos deu um brilhante “Vida de Herói” de Strauss. Agora, neste momento, ensaia a exaustão, sob o comando do maestro John Neschlling, e vai nos brindar com uma 9ª. Sinfonia de Mahler, no final de semana.

Depois é a contagem regressiva para o “Esultate”, a entrada de Otelo em cena. O mouro será interpretado pelo tenor americano Gregory Kunde, que nos deu um Radamés de arrebimbar o malho.


Não é qualquer teatro no mundo que pode abrir a temporada com um Otelo. Mas, também vamos combinar que o Municipal de São Paulo não é mais “qualquer teatro no mundo”. Estamos entre os melhores palcos do mundo e nossa programação não nos desmente. Este ano ainda veremos Eugen Oneguin, Thais, Lohengrin, entre outras.  

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