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Boito e Verdi em Santa Agata: o maestro domou e subjugou um de seus mais duros críticos. Parceria começou com Simone e incluiu Otelo e Falstaff |
Verdi tinha 70 anos quando
iniciou uma batalha íntima que tinha por objetivo colocar por terra um de seus
mais severos críticos: Arrigo Boito. É bem verdade que o tempo passara e a
maturidade fizera bem ao então polêmico compositor de Mefistófeles.
Mas, Verdi era um turrão e
tanto. A revisão de Simone Boccanegra havia sido um sucesso. A pena de Boito
dera luminosidade a um libreto originalmente confuso e obscuro. Mas, daí a
criar afeto ou amizade, ia uma grande distância. A história do doge de Genova
foi reescrita através de longas cartas.
Giulio Ricordi, o editor das
partituras de Verdi, teve uma performance genial para convencer o maestro a
receber Boito em Santa Agata, a fazenda as margens do Pó, onde o mestre de
Roncale construíra uma fortaleza. Pois em meio a generosas doses de grapa e
café nasceu a versão de ambos para um dos mais famosos dramas shakespearianos.
Três anos depois, Verdi
partiu para Milão com a partitura embaixo do braço para dirigir pessoalmente a
montagem de seu Otelo. Boito havia universalizado o preconceito e a inveja,
transformara o piloto mouro na própria humanidade. E o maestro havia compreendido
e refletido isso em sua partitura.
Os ensaios foram longos e
repetitivos. Verdi cuidava de cada detalhe e exigia muito de Francesco Tamagno,
o primeiro tenor a encarar papel tão difícil. Franco Faccio, o maestro, era
chamado a acompanhar primeiro no piano e depois a arrancar a pele da orquestra
do Alla Scala.
No dia 5 de fevereiro de
1887, o pano subiu para Otelo. Uma engenhosa máquina simulava o mar agitado de
Veneza, outras imitavam os relâmpagos e o efeito dos ventos. Uma massa coral
apreensiva primeira e exultante depois, assistiu a incrível perícia do piloto
mouro que conduziu a nave em segurança.
Desde então, a penúltima
ópera de Verdi tornou-se um desafio para regentes e cantores e porque não para
diretores de cena e registas. Pessoalmente gosto muito da interpretação do
tenor canadense Jon Vickers, sob a condução de Túlio Seraffin para a Ópera de
Roma, com Titto Gobbi no papel de Yago. Mas, não se pode deixar de registrar a
performance de Ramon Vinay, no Festival de Salzburg, em 1951, com a Filarmônica
de Viena regida pelo mitológico Wilhelm Furtwangler.
O nosso Palco da Cidade, o
Municipal velho de guerra se prepara para abrir a temporada de 2015, nada mais,
nada menos que com o Otelo de Verdi. A Sinfônica Municipal voltou das férias e
nos deu um brilhante “Vida de Herói” de Strauss. Agora, neste momento, ensaia a
exaustão, sob o comando do maestro John Neschlling, e vai nos brindar com uma 9ª.
Sinfonia de Mahler, no final de semana.
Depois é a contagem
regressiva para o “Esultate”, a entrada de Otelo em cena. O mouro será
interpretado pelo tenor americano Gregory Kunde, que nos deu um Radamés de
arrebimbar o malho.
Não é qualquer teatro no
mundo que pode abrir a temporada com um Otelo. Mas, também vamos combinar que o
Municipal de São Paulo não é mais “qualquer teatro no mundo”. Estamos entre os
melhores palcos do mundo e nossa programação não nos desmente. Este ano ainda
veremos Eugen Oneguin, Thais, Lohengrin, entre outras.
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