quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Relatos Selvagens (Versão paulistana)

Turbulência comum nesta época do ano: uma perua com medo de morrer 




Alguns chamam de dom, outros de cansaço mesmo, mas o certo é que dificilmente eu me mantenho acordado dentro de um avião. Entrego-me, quando a viagem é curta, a um rasgo de leitura e em seguida mergulho naquele sono leve.

Outro dia, em um vôo para Brasília, avião rigorosamente lotado, fui despertado, primeiro pelo anúncio de que a aeronave iria enfrentar uma zona de turbulência, mais do que normal nesta época do ano, depois pelos lamentos, diria apelos de uma portentosa perua que viajava ao meu lado:

- Nós vamos morrer. Meu Deus! Nós vamos morrer.

É muito provável minha senhora. Respondi com aquela voz que vem das profundezas da alma. Afinal, nenhum de nós recebeu o privilégio da imortalidade. A não ser que a senhora tenha alguma coisa a ver com vampiros, estas coisas. Mas, dificilmente vamos encontrar a morte por acidente aéreo, principalmente hoje.

O avião chacoalhava a valer. E a mulher, que começou a se descabelar e se desmontar na sua peruíce, insistia:

- Este avião vai cair. Não vai sobrar nada de ninguém.

Confesso que com o saco na lua, resolvi acalmar a criatura. Falei para ela dos ventos quentes, dos ventos frios, da solidez das aeronaves, etc... Mas, não adiantou.

Decidi então puxar uma conversa informal. Aquelas coisas batidas. Vai para onde? Trabalha em que? Mora onde?

- Moro em Higienópolis. Tenho uma franquia de bijuterias. Estou indo para a casa do meu sogro em João Pessoa. Vou fazer conexão em Brasília.

Deu certo.

- E você mora em Brasília?

Já morei, respondi. Hoje trabalho na Prefeitura de São Paulo.

- Na prefeitura? Com aquele pilantra do Haddad?

Diretamente com o prefeito Fernando Haddad. Sou assessor direto dele. Mas, não o reconheço como pilantra. Por que a senhora diz isso?

- Ora, todo mundo sabe que ele é um pilantra. Você não viu a encrenca em que ele colocou a cidade? Agora vamos ficar sem água, submetidos a um rodízio terrível.

Bem minha senhora, preciso lhe explicar que a questão do abastecimento de água não é de responsabilidade do prefeito. A Sabesp é uma companhia estadual e presta contas ao governador de São Paulo, o prefeito não tem nada a ver com isso. Está trabalhando como todos nós para ajudar a cidade a enfrentar as dificuldades que com certeza advirão. Mas, não por responsabilidade dele.

- É mesmo? Então a culpa é do Alckmin? Mas, e a violência? Não dá para viver em uma cidade sem polícia, com assaltos, sequestros e estas coisas todas. Tudo culpa do Haddad.

Acho que a senhora está mal informada. As questões relativas à segurança pública também são de responsabilidade do Governo do Estado de São Paulo. A Prefeitura não tem ingerência nem na Polícia Militar, muito menos na Polícia Civil.

- Então não é culpa do Haddad? E os cortes de energia elétrica?

Nem isso, respondi. A Eletropaulo agora é privada e presta contas ao Governo do Estado.

- Mas, o tráfico de drogas, esta juventude toda drogada, jogada pelos cantos da cidade...

Também não.

- Já sei é do Alckmin.

A senhora que disse.

- Mas, e essa confusão da Petrobrás...

Ele não usa nem gasolina da Petrobrás, só Shell.

A turbulência passara e o anúncio de afivelar cintos já havia sido feito. Estávamos na reta final para pouso em Brasília. Decidi cutucar e perguntei a ela se o respectivo marido, companheiro ou congênere pensava o mesmo que ela.

- Deixe o meu marido fora desta conversa.

De repente a mulher se apoiou no meu ombro e sussurrou ao meu ouvido:

- Ele está preso em Presidente Venceslau, acusado de um assalto, que não cometeu.

É mesmo, perguntei. E porque em Venceslau?

- Porque o acusaram de ter participado de um motim, ter matado um guarda penitenciário. Tudo mentira. Querem sacanear com ele.

Mas, não é culpa do pilantra do Haddad, resmunguei.

- Claro que não. Isso é coisa do PT, que quer acabar com os ricos deste país.


A perua, felizmente, havia se recomposto e, para minha sorte, perdeu-se no meio da confusão do Aeroporto de Brasília.   

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