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Turbulência comum nesta época do ano: uma perua com medo de morrer |
Alguns chamam de dom,
outros de cansaço mesmo, mas o certo é que dificilmente eu me mantenho acordado
dentro de um avião. Entrego-me, quando a viagem é curta, a um rasgo de leitura
e em seguida mergulho naquele sono leve.
Outro dia, em um vôo para
Brasília, avião rigorosamente lotado, fui despertado, primeiro pelo anúncio de
que a aeronave iria enfrentar uma zona de turbulência, mais do que normal nesta
época do ano, depois pelos lamentos, diria apelos de uma portentosa perua que
viajava ao meu lado:
- Nós vamos morrer. Meu
Deus! Nós vamos morrer.
É muito provável minha
senhora. Respondi com aquela voz que vem das profundezas da alma. Afinal,
nenhum de nós recebeu o privilégio da imortalidade. A não ser que a senhora
tenha alguma coisa a ver com vampiros, estas coisas. Mas, dificilmente vamos
encontrar a morte por acidente aéreo, principalmente hoje.
O avião chacoalhava a
valer. E a mulher, que começou a se descabelar e se desmontar na sua peruíce, insistia:
- Este avião vai cair. Não
vai sobrar nada de ninguém.
Confesso que com o saco na
lua, resolvi acalmar a criatura. Falei para ela dos ventos quentes, dos ventos
frios, da solidez das aeronaves, etc... Mas, não adiantou.
Decidi então puxar uma
conversa informal. Aquelas coisas batidas. Vai para onde? Trabalha em que? Mora
onde?
- Moro em Higienópolis.
Tenho uma franquia de bijuterias. Estou indo para a casa do meu sogro em João
Pessoa. Vou fazer conexão em Brasília.
Deu certo.
- E você mora em Brasília?
Já morei, respondi. Hoje
trabalho na Prefeitura de São Paulo.
- Na prefeitura? Com
aquele pilantra do Haddad?
Diretamente com o prefeito
Fernando Haddad. Sou assessor direto dele. Mas, não o reconheço como pilantra.
Por que a senhora diz isso?
- Ora, todo mundo sabe que
ele é um pilantra. Você não viu a encrenca em que ele colocou a cidade? Agora
vamos ficar sem água, submetidos a um rodízio terrível.
Bem minha senhora, preciso
lhe explicar que a questão do abastecimento de água não é de responsabilidade
do prefeito. A Sabesp é uma companhia estadual e presta contas ao governador de
São Paulo, o prefeito não tem nada a ver com isso. Está trabalhando como todos
nós para ajudar a cidade a enfrentar as dificuldades que com certeza advirão.
Mas, não por responsabilidade dele.
- É mesmo? Então a culpa é
do Alckmin? Mas, e a violência? Não dá para viver em uma cidade sem polícia,
com assaltos, sequestros e estas coisas todas. Tudo culpa do Haddad.
Acho que a senhora está
mal informada. As questões relativas à segurança pública também são de
responsabilidade do Governo do Estado de São Paulo. A Prefeitura não tem
ingerência nem na Polícia Militar, muito menos na Polícia Civil.
- Então não é culpa do
Haddad? E os cortes de energia elétrica?
Nem isso, respondi. A
Eletropaulo agora é privada e presta contas ao Governo do Estado.
- Mas, o tráfico de
drogas, esta juventude toda drogada, jogada pelos cantos da cidade...
Também não.
- Já sei é do Alckmin.
A senhora que disse.
- Mas, e essa confusão da
Petrobrás...
Ele não usa nem gasolina
da Petrobrás, só Shell.
A turbulência passara e o
anúncio de afivelar cintos já havia sido feito. Estávamos na reta final para
pouso em Brasília. Decidi cutucar e perguntei a ela se o respectivo marido,
companheiro ou congênere pensava o mesmo que ela.
- Deixe o meu marido fora
desta conversa.
De repente a mulher se
apoiou no meu ombro e sussurrou ao meu ouvido:
- Ele está preso em
Presidente Venceslau, acusado de um assalto, que não cometeu.
É mesmo, perguntei. E
porque em Venceslau?
- Porque o acusaram de ter
participado de um motim, ter matado um guarda penitenciário. Tudo mentira.
Querem sacanear com ele.
Mas, não é culpa do
pilantra do Haddad, resmunguei.
- Claro que não. Isso é
coisa do PT, que quer acabar com os ricos deste país.
A perua, felizmente, havia
se recomposto e, para minha sorte, perdeu-se no meio da confusão do Aeroporto
de Brasília.
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