domingo, 8 de fevereiro de 2015

A noite em que eu ganhei uma estrela


 Mahler: o maestro perdeu a corrida para a morte e não regeu sua nona sinfonia






Certa vez, lá se vão mais de 40 anos e uma existência inteira, perguntei ao maestro Ernest Bour, mitológico maestro francês, que encerrava um de seus tantos ensaios com a Orquestra Sinfônica Municipal, se ele não se disporia a reger a Nona Sinfonia de Mahler em uma de suas passagens futuras por São Paulo.

O maestro me olhou de cima a baixo, sorriu e me disse: “Meu filho, o que você está me pedindo é impossível. Trata-se de uma obra definitiva. Não existe nada mais depois dela. É o limite do que o homem pode compor em termos de sinfonia”.

Mais não disse. E eu preferi o silêncio reflexivo de quem afinal tivera a ousadia de dirigir uma pergunta aparentemente tão estapafúrdia. Em outras palavras me senti ridículo. Como uma criança que pede ao pai uma das estrelas do céu.

Pois, quase meio século depois, o maestro John Neschlling e a Sinfônica Municipal acabam de me dar a estrela que eu queria. E ela veio como um sol radiante.

Ao final da apresentação de sábado, dia 8, após aquele adágio final em que Mahler praticamente se despede da vida, era impossível conter um sentimento de gratidão, ainda que múltiplo: ao compositor por ter legado a humanidade uma página tão inspirada, tão completa e tão desafiadora; aos músicos da OSM pelo empenho e pela dedicação à partitura, o que resultou numa execução mais que perfeita; e ao maestro Neschlling por sua leitura magistral, pela competência na condução dos andamentos e na capacidade incontestável de líder capaz de extrair o melhor de cada estante e de cada solo.

Foi uma noite memorável em que a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo glorificou a capacidade humana de se expressar através dos sons.

Para quem perdeu, há registros fonográficos memoráveis da Nona Sinfonia de Mahler. Pessoalmente considero a versão de Bruno Walter à frente da Columbia Symphony, uma gravação de janeiro de 1961, a mais perfeita de todas. Recomendo ainda a versão de sir John Barbirolli, com a Royal Symphony.

Regente considerado mitológico, Mahler, infelizmente, não regeu a sua Nona. Na corrida pela vida, o maestro faleceu aos 51 anos, antes de poder conduzir sua última obra completa. Quem teve este privilégio foi o maestro Bruno Walter, seu discípulo e amigo.

Mahler, como se sabe, tinha problemas em escrever uma nona sinfonia. O mesmo ocorrera com Schubert, Bruckner, entre outros. Até porque o stigma da Nona de Beethoven (considerada a obra definitiva) era um peso muito grande. Mas, o maestro decidiu topar a empreitada (chegou até a rascunhar uma décima), simplesmente pelo fato de que ele ainda tinha algo a dizer. E disse, de forma indelével. Era o fim de um tempo, que irremediavelmente ficou na história e que de tempos em tempos, um grupo de músicos, como os professores da OSM, trazem de volta, com talento e profissionalismo.
   

Obrigado Johnny pela minha estrelinha, agradeça aos nossos amigos da OSM, por mim.

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