sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O olhar dominador do príncipe de Salinas


Ponto de reflexão: na bela Cefalu, diante do Mar Tyrreno, a contradição mágica da ilha da Sicilia



Fabrizio de Salinas era seguramente o último príncipe bourbonico da Sicilia. Foi o único que não correu de Garibaldi, no primeiro episódio do Risorgimento, o célebre desembarque em Marsala. Lampeduza escreveu e Visconti filmou com maestria a saga deste aristocrata apaixonado pela juventude do sobrinho Tancredi de Falconieri. Ele entendeu rapidamente que as coisas deveriam mudar para ficar exatamente como estão.

O livro é brilhante, o filme também.

O diálogo com o enviado de Vittorio Emanuelle, o primeiro rei da Itália, que queria oferecer-lhe uma cadeira no Senado, é ainda mais elucidador do espírito siciliano: “Fico lisonjeado com o convite. Mas, nós sicilianos estamos dormindo e preferimos ficar assim, sonolentos, sem atentar muito para a realidade, por uma razão simples: somos perfeitos”.

O final da história é melancólico: Fabrizio descobre que a nova ordem preservava a aristocracia e a monarquia. Esperava sinceramente que a Itália progredisse e se colocasse no rol das grandes nações do mundo. Mas, para ele não sobrara nada. Nenhum lugarzinho no mundo.

No filme o casal Tancredi (o sobrinho) e Angélica (a vistosa filha do burguês Calogero Sedara) termina apaixonado e grato ao Zione. No livro o desfecho do romance dos dois é uma farsa.


Burt Lancaster como Fabrizio: sorriso irônico, olhar dominador, sem lugar na nova ordem 


Estes oito dias na Sicilia e quinze na Itália me provocaram muitas reflexões. A de Lampeduza, sem dúvida, veio a minha testa como uma bala. Como pode uma ilha tão bonita e tão rica em história e cultura, com sinais das dominações árabe, normanda, espanhola, romana e, sobretudo, grega, ser tão pobre e tão violenta?

O pequeno aeroporto de Palermo leva o nome do juiz Falconi. As ruas da cidade tem várias homenagens ao general  Dalla Chiesa. Dois nomes importantes no combate ao crime organizado, assassinados pela máfia.

Sinal dos tempos. Muitos sicilianos deixaram a ilha em busca de outras oportunidades, na América do Sul, na Oceania e até na Alemanha. Talvez a maior população siciliana viva em Milão e Turim. Hoje, algumas ruas de Catania e de Palermo são verdadeiros guetos africanos, indianos, chineses e assim por diante. E ainda assim, tudo continua como sempre esteve. Nada muda.


Taormina ainda é um dos sítios naturais mais encantadores do mundo. O Etna segue lá, fumando eternamente. A Villa Bellini, em Catania, a catedral em Palermo, Siracusa, Ragusa, Agriggento, Messina. Mas, é nas pequenas vilas como Cefalu, no Tirreno, onde Tornatore rodou uma cena de Cinema Paradiso, que ainda se pode ver o príncipe de Salinas e seu sorriso irônico. Ele anda pelos becos e pelas ruas estreitas, com sua bengala e sua cartola, suas suíças bem aparadas e aquele olhar dominador.

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