segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O mal comum de nossos tempos: o cinismo

Segunda feira invernal na Europa. As pessoas ainda estão assustadas com o que aconteceu em Paris. Anita Ekberg símbolo de uma geração, a eterna Silvia de Fellini, está morta aos 83 anos. No comércio romano os comentários dão conta da queda brutal no movimento turístico. Os jornais falam em 40 por cento. Só japoneses, brasileiros e um pouco de argentinos ouriçados pelo conterrâneo agora ocupante do trono de Pedro.
Um jornalista sério, chamado Pier Luigi Vercesi, editor da revista Sette, que sai encartada todos os domingos no vetusto jornal milanês Corriere della Sera, escreve um corajoso editorial sob o título de Todo o cinismo do mundo e que começa assim: "Um não-leitor me escreve um e-mail dizendo que não compra livros, não compra jornais, mas alimenta um blog. E, segundo ele diz, acreditava que o mundo fosse uma fábula. Sempre tentaram encontrar racionalidade na realidade, para fazer um mundo melhor. Mas nunca conseguiram".
Concordo com meu colega Vercesi, todos nós temos histórias de ilusões e desilusões, vitórias e derrotas, alegrias e tragédias. E como o não leitor que se chama Giuseppe, podemos fazer reflexões sobre o mundo, a vida e o futuro. Incomoda bastante que o não-leitor se refere aos outros, como se ele não fizesse parte deste conjunto de ideias e sentimentos contemporâneos.
Vercesi termina o artigo com uma forte citação de David Grossman:"A incapacidade de acreditar em uma situação melhor é o começo da derrota". E sentencia brilhantemente:" O nosso mal (referindo-se aos tempos atuais), pessoal e de toda a sociedade, é o cinismo. Os cínicos ridicularizam a tudo e se dizem incapazes de mudar as coisas. Creio que seja um mal congênito, ainda que não de todos".
De repente, me transportei para o Brasil, onde não-leitores como Giuseppe chamam para si o direito de dizer a verdade e se avocam o papel de profetas. Numa sociedade cínica como um "cambalache" , problemático e febril, já não importa mais a verdade ou a utopia. Aqueles que não compartilham do pensamento geral estão fora, fossilizados. Como a grande Anita, uma mulher extraordinária, que vendia um copo de leite em um grande outdoor romano, e levava um puritano, ou falso puritano, a loucura. 
Anita cansou-se do mundo. Preferiu terminar seus dias reclusa com seus cães em uma vila romana. Abdicou do cinismo, ao menos. Gg

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