Ottorino Respighi: violinista, violista, maestro e professor |
A vida revela surpresas. E
as duas coisas, a vida e as surpresas, se renovam de forma impressionante.
Ontem, sábado, abertura da Virada Cultural em São Paulo, quem poderia dizer que
um concerto sinfônico hermético, com o Theatro Municipal completamente lotado
por um público que majoritariamente estava naquele ambiente pela primeira vez,
alcançasse sucesso tão retumbante, com aplausos e manifestações flagrantes de
carinho e de satisfação.
A peça apresentada, uma
única, foi a monumental Sinfonia Drammatica de Ottorino Respighi. Uma
composição que ficou perdida durante décadas e que não figura na maior parte
das biografias do compositor italiano nascido em Bolonha em 1879 e morto em
Roma em 1936. Na virada do século estudou com Nicolai Rimsky-Korsakov, em São
Petersburgo, e com Max Bruch, em Berlim.
Respighi assumiu uma
cadeira de professor na Academia Santa Cecília, de Roma, em 1913, e sintetiza
em si mesmo um pouco de cada movimento, ou cada tendência musical de um período
tão rico. Na Sinfonia Drammatica há Korsakov claro. Bruch também. Debussy,
Richard Strauss e muito do sinfonismo alemão de Mahler e Bruckner. Mas, a
amarração de tudo isso resulta numa visão peculiar do compositor. Afirma sua
personalidade como um acadêmico de seu tempo.
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Neschling e Respighi: uma agradável relação de descoberta |
O maestro John Neschling
tem uma agradável relação de descoberta com Respighi. Sua visão do tríptico
romano (Fontes, Pinheiros e Festas Romanas) revelada no célebre concerto com a
Fura Del Bals, na abertura da temporada do ano passado, mostrou que sua leitura
dialoga perfeitamente com a visão delicada, minuciosa e melódica do compositor.
Se não bastasse, Johnny regeu a Filarmônica Real de Liege, documentado em CD
pelo selo BIS, com a belíssima Impressões Brasileiras, fruto de uma viagem ao
Brasil que o compositor fez entre 1927 e 1928. Completa o registro a memorável
Butique Fantástica (1918), música de balé a partir de uma coletânea de melodias
de Rossini, seu conterrâneo de Bolonha.
Neschling é antes de tudo
um estudioso. Ele sabe que Respighi debruçou-se sobre esta sinfonia e deu vazão
a uma série de sentimentos que atordoavam a Europa no final de 1914, quando os
campos da Bélgica já estavam banhados de sangue e o que era para ser uma guerra
rápida se transformaria num açougue humano que vitimou mais de 10 milhões de
pessoas e fez mais de 25 milhões de mutilados. Por isso, enfatizou corretamente
os andamentos marciais, ao mesmo tempo em que pontuou outras passagens com a
marca da perplexidade.
Umas poucas palavras para
terminar sobre a nossa orquestra, a Sinfônica Municipal. Se alguém tinha alguma
dúvida da sua capacidade vou reproduzir a frase do maestro Neschling em torno
de um pedaço de pizza no final daquele noite memorável: “Podem tocar tão bem
quanto nós, melhor eu !”