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Ahab, senhor do convés do Pequod: É uma baleia branca, homens |
“Há um deus no firmamento
e um capitão no convés do Pequod!”
A frase evidentemente é do
romance clássico Moby Dick, de Herman Melville, e surge no momento em que o
imediato Starbuck, convencido da loucura do capitão Ahab, tenta convencer os
oficiais do baleeiro que aquela aventura ensandecida atrás da baleia branca
resultaria na morte de todos.
Curiosamente quando Ahab
sucumbe amarrado a própria baleia, quem dá o comando de ataque a Moby Dick,
para surpresa de todos, é o próprio Starbuck. Questionado ele lança mão de um
argumento pragmático ao extremo: “É apenas uma baleia, uma baleia branca,
gigantesca, mas uma baleia. E nós somos baleeiros. Só existimos porque caçamos
baleias”...
Fico imaginando nos meus
delírios, o que aconteceria se Starbuck convencesse os outros imediatos a
destituir Ahab do comando do Pequod e abandonado a corrida contra Moby Dick. O
baleeiro teria voltado para a Nova Inglaterra abarrotado de óleo. Os
marinheiros imediatamente processariam as viúvas, donas do navio e seus
administradores quakers, por assédio
moral do capitão. Afinal, como se definiria aquela cena louca no meio da
tempestade em pleno Oceano Índico, quando o capitão para incitar seus
marinheiros a navegar, simplesmente agarrou o fogo de San Thelmo.
Alguém poderia trocar o
convés do Pequod pelo palco de um teatro de concerto. E logo a frase de
Melville ficaria assim: “Há um deus no firmamento e um maestro no pódio”.
E isso me remete a Arturo
Toscanini.
Me corrige o maestro Neschling com propriedade. No caso de Toscanini o conceito é ainda mais radical: "Pode haver um único deus no firmamento, mas com certeza há um único maestro no pódio".
Me corrige o maestro Neschling com propriedade. No caso de Toscanini o conceito é ainda mais radical: "Pode haver um único deus no firmamento, mas com certeza há um único maestro no pódio".
Imagino o volume de ações
que o genial maestro italiano teria que responder por assédio moral. Afinal,
ensaios de 12, 14 horas.
Mas, poderia ser o
contrário.
- Senhores, esta passagem
do compasso 35 ao 60 não me sensibilizou. Que tal repeti-la? – diria o maestro.
- Olha maestro, para nós
está muito boa. O senhor com esta mania de procurar a perfeição nos obriga a
repetição, o que atenta contra a nossa conduta profissional.
Devo muito do que sei hoje
ao que aprendi do mestre Mino Carta. E se alguém acha, ou não acha coisa
nenhuma, prevalece sempre a máxima: “Há um deus no firmamento e um único chefe
de redação”.
- Olha jovem, de tanto
talento e formosura, este texto está confuso. Você não acha que falta um lead?
Talvez um approach mais apropriado? E estas fontes que você cita, não deveriam
ser mais qualificadas? Reflita sobre isso e me entregue um novo texto amanhã.
Não é assim que funciona.
Ahab pregou um dobrão espanhol no mastro que premiaria o primeiro marinheiro
que avistasse a baleia branca. Era mais ou menos como o Mino fazia antes de
sairmos da redação: “Its a white wale, man!”
Meu compadre Bastião, o
jornalista Tão Gomes Pinto, além de mestre, amigo, ensinava jornalismo nos
pequenos e nos grandes gestos. Era uma espécie de Starbuck fiel.
Certa vez, no meio de um
fechamento brigado, quer dizer quando a luta por espaço no espelho da revista
faria uma trincheira da Grande Guerra virar um local de picnic, ele mandou seus
repórteres jantarem o maldito arroz com linguiça e ovo, enquanto deliberava o
que iria fazer. Na volta colocou todos nós no entorno da sua mesa. Uma bobagem:
José Meirelles Passos, Otávio Pena
Branca Ribeiro, Caco Barcelos e eu. Tínhamos apurado sobre uma rebelião na Casa
de Detenção e tínhamos dados suficientes para escrever um livro cada um.
- Muito bem senhores,
temos seis páginas, não mais e temos que publicar várias fotos. Vou começar a
escrever o lead e depois cada um de vocês será chamado a dar informações.
“E
o Metrô sequer diminuiu sua velocidade. Passava ligeiro enquanto embaixo da
estação Carandiru, 15 detentos faziam a direção do presídio e mais seis
convidados reféns de uma rebelião”. Assim
o bom Tão começou e nós acabamos.
Roberto Stuckert o grande
fotógrafo de Brasília certa vez me disse que eu era mau. Ou seja, fazia o
pessoal que trabalhava comigo sofrer muito. Nunca havia me dado conta disso.
Uma vez ao chegar na
redação disse a uma estagiária que não fosse embora antes de falar comigo. A
menina foi parar na enfermaria.
De outra vez, minha
editora teve que sair mais cedo por qualquer motivo e eu mandei um recado para
dois focas, que eles deveriam fechar comigo. Os dois entraram na sala tremendo
como varas verdes e soando a píncaros. Depois se habituaram, hoje os dois estão
na grande mídia e brilham nas páginas. Em tempo: e são meus amigos.
Aprendi com meus mestres,
duros mestres, que a melhor forma de alcançar o melhor resultado é ensinando.
Foi assim comigo e tive o privilégio de ensinar os filhos do Tão, do Mino e do
Caraballo. Sinal que eu fui um bom aluno.
Acho que de um jeito ou de
outro, todos estamos no convés do Pequod, com os olhos no mar em busca da
baleia branca. Diante de nós o implacável capitão Ahab, obcecado pelo destino,
não só dele como o de todos nós. Quem leu, sabe como Melville acabou o romance.
E aí somos todos Ishmael. Sobrevivemos para poder contar esta história.