Depois de uma quarta de
Brahms notável, onde o jovem Eduardo Strausser mostrou todo o seu talento e a
Orquestra Sinfônica Municipal revelou porque John Neschling, seu titular, é um
dos maiores regentes do mundo, desci a Serra do Mar com os ouvidos fixados na
Nona Sinfonia de Anton Bruckner. O último trabalho sinfônico do compositor
austríaco.
Já ouvi esta sinfonia
incontáveis vezes. Tenho dois registros, o de Bruno Walter com a Columbia Symhony e o
de Eugen Jochum com a Bavária. Sempre que os ouço, tenho a impressão que estou
ouvindo pela primeira vez.
Trata-se de um trabalho
marcante, ainda mais porque Bruckner, um humilde maestro-capela, adorador de
Richard Wagner, decidiu espontaneamente não concluir sua composição. A exemplo
do que seu conterrâneo Franz Schubert havia feito décadas atrás, quando
imaginava compor sua nona sinfonia, quando na verdade compunha sua oitava, ele
também justificou com a máxima que nona sinfonia, só a de Beethoven.
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Bruckner: no final da vida escreveu três sinfonias que apontaram para o futuro |
Bobagem ou não, esta nona
inacabada de Bruckner em três movimentos é uma pancada. Acordes menores, apoiados
por tubas wagnerianas na orquestração, o que acentua o início obscuro, para depois,
em contraste, iluminar a partitura com um contraponto genial entre os
trompetes, as trompas, os trombones e as cordas graves, sobretudo os
contra-baixos.
A quarta de Brahms na
leitura do jovem Strausser teve o dom de ressaltar o carater terminativo de um
período histórico da música alemã, que começou com Beethoven e foi marcante com
Schubert e Schumann. Era como se o compositor estivesse dizendo: “olha este é o
máximo que podemos chegar. Agora é com vocês”.
De fato, na linha paralela o
wagnerianismo corria solto. E o pós romantismo com Bruckner, Mahler, Richard
Strauss mostrava um novo caminho.
Curiosamente, ainda que
acometido por uma humildade artística e histórica impressionante, o que o
relegou a um segundo plano, Bruckner viveu intensamente todos os movimentos
musicais do século XIX. Nasceu em 1824 e faleceu em 1896. E sua obra mostra
isso. Suas primeiras sinfonias mostram mesmo as contradições de um século
generoso em termos de descobertas musicais. Nas três últimas, entretanto, a
sétima, a oitava e a nona, ele marca uma transição sinfônica impressionante. Ao
contrário de Brahms que disse chegamos até aqui, Bruckner diz: este é o futuro.
Há quem diga, e eu concordo,
que os primeiros acordes do século XX são aqueles da clarinete no início da
Salomé. Mas, para chegar lá, Richard Strauss teve por trás de si muita escola.
Muito caminho percorrido.