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Dudamel e a Simon Bolivar: um concerto inesquecível e emocionante |
Tenho umas dez gravações
da Quinta Sinfonia de Beethoven. Algumas mitológicas: Furtwangler, Karl Bohm,
Georg Schell, Solti, Bruno Walter e Charles Munch. Vi e ouvi pelo menos umas 30
execuções ao vivo. Algumas notáveis e inesquecíveis. Mas, o que eu ouvi ontem,
na sala São Paulo, foi de tal forma espetacular que me assomou a perplexidade.
Gustavo Dudamel não é
apenas um regente pop star. Ele é simplesmente espetacular. Perfeito. Fez um
Beethoven grandioso, romântico como deve ser, redondo e instigante. A Sinfônica
Simon Bolivar soou como uma orquestra soberana: o piccolo, as trompas, as cordas,
as madeiras. O que falar dos tuttis e daqueles violoncelos.
Dudamel rege com os olhos
e com o coração. Sua fraseologia é perfeita e sua dinâmica impressionante. E a
orquestra reage as suas entradas com entusiasmo.
Depois de uma Quinta que
já teria valido a noite, veio a Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, obra
que apesar do seu centenário, na minha modestíssima opinião, ainda não encontrou
o seu tempo. Primitiva e arrebatadora,
marcada por um impressionismo rude e pelos ritmos múltiplos entrecortados.
Vi no palco uma vez: com
Ernest Bour e a nossa orquestra do Teatro Municipal, nos anos 70. Foram
necessários dois anos de preparação. Meu primo Cláudio deu um show nos
tímpanos. O professor Dino Pedini arrebentou na primeira trompa e o professor
Tancredi maravilhou a todos no fagote obsessivo.
Dudamel regeu de cor. Sem
partitura! Exigiu dos meninos e meninas da Simon Bolivar como se estivesse
diante da Filarmônica de Berlim. Cada estante era um virtuosi.
O que foi aquilo?
Como pareceu pouco, dois extras para arrebentar corações. O
prelúdio de Lohengrin e o Liebstood do Tristão de Wagner. Até agora não me recuperei da emoção.
E dizer que tudo isso
começou com um projeto do professor Jose Antônio de Abreu , 40 anos atrás, em
Maculay (100 kms de Caracas), com o objetivo de dar formação musical a crianças
socialmente desassistidas. “Quando estes jovens estão sobre o palco, estão
mandando um recado claro. Musica clássica não e
música de nossos avós, dos nossos pais, é a nossa música também. Quando
se toca ou mesmo quando se ouve música, há a percepção de uma infinidade de
possibilidades, e isso ajuda no dia a dia. A arte pode ser uma forma de se
conectar com a realidade” – disse o maestro Dudamel ao Estadão, no sábado,
recém chegado de Buenos Aires.
“Não somos uma fábrica de
músicos. Mas, sim de cidadãos”.
Aos 32 anos, ele próprio
egresso do projeto El Sistema, de Abreu, Dudamel é um dos maestros mais
requisitados no cenário musical internacional. Ele se apresenta à frente das
mais renomadas orquestras do mundo. Seu estilo é carinhoso com os músicos, cria
junto com eles. Rege com alegria, respeito e devoção a partitura.
Para acabar, com uma sala
São Paulo lotada, enlouquecida, Dudamel não retornou ao podium para sorver os
aplausos e afirmar merecidamente o seu mérito. Limitou-se a abraçar os músicos e
se misturou com eles.
Esta foi a gota d’ água de
uma noite, que eu definiria em uma palavra: eletrizante e emocionante.
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