sábado, 15 de junho de 2013

As brigadas incendiárias de Bradbury

 Fahrenheit 451, baseado no livro de Ray Bradbury: distopia que parece realidade

A capa do Caderno 2 do Estadão de hoje, mesmo numa ressaca de tensão natural pelos eventos de São Paulo, me traz à reflexão um dos livros mais marcantes da minha formação, o  clássico de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Breno Pires o autor da reportagem sintetiza de forma brilhante uma imagem que era de ficção, em 1953, e que hoje, desgraçadamente é real.

“Uma sociedade viciada em entretenimento televisivo, calmantes e antidepressivos, que admite a supressão da liberdade individual em nome de uma suposta felicidade, garantida pelo estado por meio da repressão ao contraditório”.

Só não concordo com a afirmação de que isso poderia retratar uma leitura da sociedade norte-americana pós 11 de setembro. É pouco. Retrata sim o mundo ocidental de forma global.

Neste sentido o escritor Bráulio Tavares, na sequência, vai ao âmago da questão: “Praticamente tudo que Bradbury diz em Fahrenheit 451 descreve o mundo de hoje, o mundo televisivo, conectado, interativo, onde as pessoas ficam como sonâmbulos respondendo a estímulos, acompanhando séries, novelas ou reality shows. O livro fica mais contemporâneo a cada década que passa”.

Embora fosse um devorador  do gênero ficcional, sempre me senti mais atraído por aqueles da linha da distopia. E embora o terror de 1984 e de Admirável Mundo Novo também tenham me impressionado muito, a obra de Bradbury teve o poder de me sensibilizar mais. Imagine-se uma sociedade que despreza o conteúdo e o contraditório, que abomine os sentimentos e a individualidade, que celebre as semi-celebridades vazias e inúteis.
Uma sociedade onde as pessoas se sentem bem por suprimirem  a emoção. Onde os livros, quer dizer a reflexão e o pensamento humanos, são vistos como uma fonte de dúvidas, dor e inconformidade. E as pessoas abrem mão disso para não sofrer.

Jesuisssss! Não é isso que estamos vivendo¿

Está bem que as ruas não são ocupadas por bombeiros prontos para o espetáculo da incineração de livros em cerimônia pública. Mas, não foi isso que a patrulha politicamente correta andou propondo em relação a alguns títulos de Monteiro Lobato, acusados de um suposto racismo¿

Roberto Causo, escritor e pesquisador de ficção científica deu um fecho sensacional à reportagem: “O perigo não é que queimem os livros, é que os livros que discutem ideias sejam substituídos, como a indústria editorial tende a fazer cada vez mais, por factoides inofensivos: livros de culinária, de turismo, de autoajuda ou de biografias de pseudo celebridades”.

Bradbury morreu no ano passado. Deve ter visto com horror que a sua ficção não anteviu o advento das patrulhas do politicamente correto, e muito menos as redes sociais. Viu que as emoções passaram a depender apenas da adrenalina despejada nos parques de diversão. Pior que as leituras pictóricas, apenas com imagens, das publicações do seu futuro, a comunicação passou a se processar por textos de até 140 caracteres. O cinema de sucesso passou a ser marcado pela emoção dos efeitos especiais e dos enredos anódinos importados das novelas da televisão.

Um concerto de  Mozart passou a ser chato. O novo mundo gosta do barulho dos Racionais. Wagner ou Verdi passaram a ser confusos e Britten ou Stravinsky inacessíveis. O ato de visitar um museu não gera a expectativa da reflexão, a emoção da experiência se resume a postar na internet uma foto do protagonista diante do local.

- Você esteve em Paris¿

- Sim. Você não viu as fotos que eu postei no face¿

- Vi. E como foi¿

- Foi legal.

O politicamente correto exige que as pessoas se mobilizem por causas até coerentes: preservação da natureza, vida saudável, transporte público gratuito, controle da emissão de gases, liberdade, paz para a Mangueira, 10% do PIB para a Educação, segurança para todos. Mas, ninguém quer discutir como se chega a isso.

Ninguém é contra isso. Muito pelo contrário. Mas, ser a favor quer dizer abraçar os argumentos da causa, confrontar os reacionários a ela. Valer-se das razões e da ideologia.

Isso talvez seja chato. Mas, é assim que funciona. As pessoas aderem a uma causa porque acreditam nela. Não porque é politicamente correto, ou porque foram mobilizadas pela internet. Ou porque é legal!

Diálogo que eu ouvi esta semana:

- Se fosse há 20 anos, eu estaria lá com eles.

- Pois eu não. Como iria me mobilizar por uma causa difusa, em um movimento sem liderança e sem comando.

- Mas, agora é assim.

 AGORA É ASSIM!

Que diabos quer dizer isso¿ Que os bombeiros do Bradbury vão queimar qualquer ponta de racionalismo¿ Que esta criatura difusa e sem rosto chamada internet tem o poder de convocar sem questionar¿

Bradbury termina o seu Fahrenheit 451 de forma tão otimista quanto possível. Em uma comunidade onde cada cidadão preserva um livro em sua memória, a espera que em novos tempos eles possam ser novamente editados em papel ou CD ou seja lá que forma tiverem.

Nunca como agora me vi nesta comunidade.

2 comentários:

  1. os movimentos legítimos começam assim: Maria Antonieta se espantou com a falta pão! os lideres se definem depois e nunca é tarde para estar do lado da verdade.

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  2. Nunzio Brigulio, prazer lhe reencontrar. Você me deu aula de jornalismo no Dromos a um tempo a trás. Na época eu criei o portal interno indromaveis.com.br onde a turma publicava notícias, eventos, etc. Você me falou algo que eu nunca esqueci: continue assim e você ganhará muito dinheiro. De fato isso aconteceu :) ... ainda ecoa nos meus ouvidos frases marcantes das suas aulas "Até uma ameba consegue escrever. Porque vcs não conseguem?". Palavras fortes e verdadeiras. Acredito que era justamente por isso que você um dos professores mais importantes para algumas pessoas (como eu). Achei seu blog, irei lhe acompanhar. Grande abraço!

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