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Fahrenheit 451, baseado no livro de Ray Bradbury: distopia que parece realidade |
A capa do Caderno 2 do Estadão de hoje, mesmo numa
ressaca de tensão natural pelos eventos de São Paulo, me traz à reflexão um dos
livros mais marcantes da minha formação, o clássico de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Breno Pires o autor da reportagem sintetiza de
forma brilhante uma imagem que era de ficção, em 1953, e que hoje,
desgraçadamente é real.
“Uma sociedade viciada em entretenimento televisivo, calmantes
e antidepressivos, que admite a supressão da liberdade individual em nome de
uma suposta felicidade, garantida pelo estado por meio da repressão ao
contraditório”.
Só não concordo com a afirmação de que isso poderia retratar
uma leitura da sociedade norte-americana pós 11 de setembro. É pouco. Retrata
sim o mundo ocidental de forma global.
Neste sentido o escritor Bráulio Tavares, na sequência,
vai ao âmago da questão: “Praticamente tudo que Bradbury diz em Fahrenheit 451 descreve o mundo de
hoje, o mundo televisivo, conectado, interativo, onde as pessoas ficam como
sonâmbulos respondendo a estímulos, acompanhando séries, novelas ou reality
shows. O livro fica mais contemporâneo a cada década que passa”.
Embora fosse um devorador do gênero ficcional, sempre me senti mais
atraído por aqueles da linha da distopia. E embora o terror de 1984 e de Admirável Mundo Novo também tenham me impressionado muito, a obra
de Bradbury teve o poder de me sensibilizar mais. Imagine-se uma sociedade que
despreza o conteúdo e o contraditório, que abomine os sentimentos e a
individualidade, que celebre as semi-celebridades vazias e inúteis.
Uma sociedade onde as pessoas se sentem bem por
suprimirem a emoção. Onde os livros,
quer dizer a reflexão e o pensamento humanos, são vistos como uma fonte de
dúvidas, dor e inconformidade. E as pessoas abrem mão disso para não sofrer.
Jesuisssss! Não é isso que estamos vivendo¿
Está bem que as ruas não são ocupadas por bombeiros
prontos para o espetáculo da incineração de livros em cerimônia pública. Mas,
não foi isso que a patrulha politicamente correta andou propondo em relação a
alguns títulos de Monteiro Lobato, acusados de um suposto racismo¿
Roberto Causo, escritor e pesquisador de ficção científica
deu um fecho sensacional à reportagem: “O perigo não é que queimem os livros, é
que os livros que discutem ideias sejam substituídos, como a indústria editorial
tende a fazer cada vez mais, por factoides inofensivos: livros de culinária, de
turismo, de autoajuda ou de biografias de pseudo celebridades”.
Bradbury morreu no ano passado. Deve ter visto com
horror que a sua ficção não anteviu o advento das patrulhas do politicamente
correto, e muito menos as redes sociais. Viu que as emoções passaram a depender
apenas da adrenalina despejada nos parques de diversão. Pior que as leituras
pictóricas, apenas com imagens, das publicações do seu futuro, a comunicação
passou a se processar por textos de até 140 caracteres. O cinema de sucesso
passou a ser marcado pela emoção dos efeitos especiais e dos enredos anódinos
importados das novelas da televisão.
Um concerto de
Mozart passou a ser chato. O novo mundo gosta do barulho dos Racionais.
Wagner ou Verdi passaram a ser confusos e Britten ou Stravinsky inacessíveis. O
ato de visitar um museu não gera a expectativa da reflexão, a emoção da
experiência se resume a postar na internet uma foto do protagonista diante do
local.
- Você esteve em Paris¿
- Sim. Você não viu as fotos que eu postei no face¿
- Vi. E como foi¿
- Foi legal.
O politicamente correto exige que as pessoas se
mobilizem por causas até coerentes: preservação da natureza, vida saudável,
transporte público gratuito, controle da emissão de gases, liberdade, paz para
a Mangueira, 10% do PIB para a Educação, segurança para todos. Mas, ninguém
quer discutir como se chega a isso.
Ninguém é contra isso. Muito pelo contrário. Mas, ser a
favor quer dizer abraçar os argumentos da causa, confrontar os reacionários a
ela. Valer-se das razões e da ideologia.
Isso talvez seja chato. Mas, é assim que funciona. As
pessoas aderem a uma causa porque acreditam nela. Não porque é politicamente
correto, ou porque foram mobilizadas pela internet. Ou porque é legal!
Diálogo que eu ouvi esta semana:
- Se fosse há 20 anos, eu estaria lá com eles.
- Pois eu não. Como iria me mobilizar por uma causa
difusa, em um movimento sem liderança e sem comando.
- Mas, agora é assim.
AGORA É ASSIM!
Que diabos quer dizer isso¿ Que os bombeiros do
Bradbury vão queimar qualquer ponta de racionalismo¿ Que esta criatura difusa e
sem rosto chamada internet tem o poder de convocar sem questionar¿
Bradbury termina o seu Fahrenheit 451 de forma tão otimista quanto possível. Em uma
comunidade onde cada cidadão preserva um livro em sua memória, a espera que em
novos tempos eles possam ser novamente editados em papel ou CD ou seja lá que
forma tiverem.
Nunca como agora me vi nesta comunidade.
os movimentos legítimos começam assim: Maria Antonieta se espantou com a falta pão! os lideres se definem depois e nunca é tarde para estar do lado da verdade.
ResponderExcluirNunzio Brigulio, prazer lhe reencontrar. Você me deu aula de jornalismo no Dromos a um tempo a trás. Na época eu criei o portal interno indromaveis.com.br onde a turma publicava notícias, eventos, etc. Você me falou algo que eu nunca esqueci: continue assim e você ganhará muito dinheiro. De fato isso aconteceu :) ... ainda ecoa nos meus ouvidos frases marcantes das suas aulas "Até uma ameba consegue escrever. Porque vcs não conseguem?". Palavras fortes e verdadeiras. Acredito que era justamente por isso que você um dos professores mais importantes para algumas pessoas (como eu). Achei seu blog, irei lhe acompanhar. Grande abraço!
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