domingo, 16 de fevereiro de 2014

Eternamente Roma


A Fontana de Trevi ao meio dia: descrição imponente de Respighi






Meu querido avô postiço, mestre e arquiteto da minha personalidade, teria coçado os bigodes fartos e dito: “Mas seria preciso¿ Respighi não teria bastado¿”.

Tenho que admitir, o impacto do concerto de abertura da temporada 2014  da Orquestra Sinfônica Municipal, ontem, foi muito grande. Perturbador mesmo. Repassei cada compasso da tríade romana de Respighi e poucas vezes na minha modesta vida de apreciador de música, contemplei uma apresentação tão perfeita.

Que orgulho!

Um ano depois de catar os cacos do mais tradicional conjunto sinfônico da cidade, o maestro John Neschling derrubou o mito de que uma orquestra precisa de décadas para se afirmar, mas confirmou outro: liderança é tudo, como diria o grande regente Herman Scherchen, mestre de toda uma geração do passado.

Dos três poemas sinfônicos que Respighi escreveu para a Cidade Eterna confesso a minha predileção pelas Festas Romanas, o último a ser composto e o primeiro apresentado ontem. As dificuldades apostas no pentagrama, na orquestração, o contraste de ritmos, a exigência dos solos de trombone, trompa e, sobretudo, das madeiras estão entre as partituras mais complexas que eu conheço. E tudo isso resulta leve, envolvente e sedutor.

Minhas referências são as versões mágicas de George Schell e de Eugene Goosens. Neschling fez uma leitura fraseológica distinta. Segurou um pouco o andamento, marcou mais os compassos do Circus Maximus, e depois fez com que os acordes jorrassem naturalmente. Na parte central da peça permitiu que os solistas brilhassem sem jamais encobri-los. Respirou fundo para atacar a Epiphania e a orquestra atenta correspondeu. Acatou os comandos com precisão e enfrentou aquela loucura sinfônica com garbo e elegância.

Vô querido, foi perfeito. Você teria se orgulhado.

Nas fontes, sobretudo na descrição da Fontana de Trevi ao meio dia, as trompas deram um show ao arrancar o carro de Netuno no meio das águas. E os trompetes, mágicos, insistentes. Que beleza!

Finalmente os Pinheiros, a mais intimista das três, com  vento entre as suas folhas, a sombra, os pássaros e finalmente a marcha das hordas na via Appia.

A diferença deste concerto foi a apresentação de um espetáculo vídeo-cênico criado pelo grupo catalão La Fura dels Bals, com imagens selecionadas e captadas pelo fotógrafo francês Emmanuel Carlier. A ideia é induzir o público na compreensão da música e compor um espetáculo multi modal.

Este modelo foi apresentado em Caracalla e em outros teatros da Europa. A concepção de Carlier com La Fura sob a música de Respighi foi considerado um dos melhores espetáculos apresentados no ano passado. Ontem, dividiu opiniões.

Tá legal vô. Também acho que o Respighi não precisa disso. Nem o Orff, nem o Holst e muito menos o Richard Strauss. Mas, vamos combinar: o teatro estava lotado. Os ingressos para o concerto de hoje estão esgotados e teremos que fazer uma apresentação extra na terça. E é só o começo da temporada. Estamos todos ansiosos pela 4ª. Sinfonia de Mahler, sem La Fura.

A nossa orquestra vô está, como dizem os gaúchos, nos trinques.

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