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Umberto Eco: via os tempos modernos de forma corrosiva |
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Harper Lee: autora de um só livro. Criou um personagem mágico |
Este espaço vai acabar
virando um necrológico. Mas, não tenho como deixar de comentar as mortes de
Umberto Eco e de Harper Lee.
Conheci Umberto quando era
editor da Manchete. Marcelo Mastroianni tinha acabado de morrer e eu tive a
petulância de conseguir o telefone da casa do escritor em Milão. Mais petulante
ainda pedi a ele um texto sobre o grande ator italiano.
Com um tom de ironia e
mordacidade ele me questionou: “Você não era repórter da Panorama¿ Não é da sua
lavra a entrevista com o Toni Negri no Chile¿”
Confirmei humildemente.
Umberto era meticuloso.
Praticamente passou a limpo as idéias que tinha sobre Mastroianni e compartilhou comigo a admiração pelo ator
morto, sobretudo em “Uma giornata particulare”, de Ettore Scola, e “Oito e meio”,
do grande Fellini.
Não tive coragem de
dizer-lhe do meu apreço, sobretudo pela forma ácida com que ele via os tempos
modernos. Também não disse o quanto havia me impressionado com “O Nome da Rosa”
e, principalmente, “O Pêndulo de Foucault”.
A Manchete fez uma edição
praticamente inteira sobre Mastroianni. Pilotamos eu e o grande Otávio Costa,
um dos mais competentes e expressivos jornalistas da minha geração.
Harper Lee, para mim, sempre
foi um mistério. Para mim e para a humanidade. Assistente do grande Truman
Capote (eta alminha perturbada). Ela atuou bastante na apuração do caso “A
Sangue Frio”. Deixou o grande escritor e repórter americano com uma tremenda
inveja com o sucesso de “O Sol é para todos”. Ainda mais com o Pullitzer de 62.
Capote tinha razão em se
corroer. O livro de Harper é brilhante. Tem uma leitura fácil, típica de uma repórter.
Além de uma sacada impressionante, a narração da história pela menina Jean
Louis. Pena que ela se recolheu para o seu Alabama natal e nunca mais produziu
nada.
Eco tinha horror a uma
propalada revolução de intelectuais. E se sentia mal, não com os avanços
tecnológicos da sociedade, mas com a mediocrização, que segundo ele é uma tendência
irreversível. Recentemente, instado a falar da revolução digital saiu-se com
essa sobre a internet: “Deram um palanque para os imbecis”.
Não sei o que Harper pensava
da luta dos direitos civis americanos. Tudo o que podemos deduzir está na
personalidade de Atticus Finch, o advogado provinciano de uma aldeia no Alabama
que se insurgiu contra a discriminação racial ao defender um negro,
injustamente acusado de um estupro contra uma garota branca.
Ela deixou o rascunho de um
outro livro, no qual Jean Louis já adolescente se choca ao descobrir que o pai
advogado, na verdade defendia o segregacionismo. Não publicou. Talvez por achar
que a humanidade precise do Atticus Finch original. A simples existência de um
personagem como ele já é mais do que uma revolução.