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Mahler e Richard Strauss no início do século XX: amigos inspirados |
Não é raro que alguns filhos
e amigos me perguntem: “Então qual é a sua música preferida¿ Qual é a
composição musical que você mais gosta de ouvir¿ Qual considera a mais
completa, mais marcante para a humanidade¿”
A expectativa é sempre que
eu cite uma ópera gigantesca, uma sinfonia de arromba, uma missa tonitroante.
Mas, como alguém já disse com propriedade, é nos pequenos detalhes que mora o
perigo.
Uma das minhas paixões é o
quarteto opus 131 de Beethoven. Acho que o gênio de Bonn, no final da vida teve
uma inspiração transcendental. Sobretudo na marca que apôs ao pentagrama: “Atacca!Atacca!”.
Se alguém acha que a
Sinfonia número 3, a Eroica, jogou a
música no romantismo, com os acordes iniciais que anunciavam um novo tempo. Com
este quarteto composto bem no ocaso de sua vida, Beethoven quis dizer assim: “Vocês
não viram nada ainda”.
Richard Strauss e Gustav
Mahler gravaram o seu nome na história da música, um por óperas espetaculares
como Salomé e O Cavaleiro da Rosa, outro por sinfonias magistrais,
orquestrações impiedosas. Mas, na hora da onça beber água, foram buscar acordes
que ressoavam muito mais no coração do que nos ouvidos. A última canção do
ciclo Das Lied von der Erde, de
Mahler, quando o velho camponês chinês se despede da vida e do planeta e se
entrega a eternidade é algo tão impressionante quanto grandioso na simplicidade.
Quem quiser conferir, há várias gravações na internet ou na indústria
fonográfica. Experimente a versão de Bruno Walter com a contralto britânica
Katleen Ferrer.
Tão marcante quanto,
embora com um intervalo temporal de quase quatro décadas, são as Quatro Últimas Canções de Richard
Strauss. Três delas com poemas de Herman Hesse e a última com texto de Joseph
von Eichendorff. Um vigoroso adeus do maestro e compositor a sua esposa
Pauline. Dá para imaginar a emoção da estreia, pouco depois da sua morte.
No dia 22 de maio de 1950, em
Londres, o mitológico Wilhelm Furtwangler, regeu a Philarmonia Orchestra tendo
como solista ninguém menos que Kirsten Flagstad. Uma bobagem!
A força das Quatro Últimas Canções de Strauss é tão
grande, que na semana passada, tocada com maestria pela Orquestra Sinfônica
Municipal, resultou num pranto contido de todos os músicos, do maestro John
Neschling e da soprano americana Emily Magee. A bem da verdade, a despeito do
calor (que eu confesso não senti) o teatro inteiro ficou tomado pela emoção.
Foi uma das tantas noites
brilhantes que a cidade tem vivido nos últimos três anos.
A genialidade pode ser divisada
tanto na monumental Missa em Si, de
Johann Sebastian Bach, no oratório Messias
de Haendel, como numa canção que Erik Satie escreveu para homenagear seu
cachorro. Num coral que Verdi regeu na cozinha da fazenda de seu
padrinho-sogro, quando ainda rascunhava Nabuco. Na suíte A História de um Soldado, de Igor Stravinsky. Ou no poema Saudades das Selvas Brasileiras, uma
joia impressionista que Villa Lobos escreveu em Paris, no início do século XX.
O poder da música não está
apenas nos recursos que os compositores usaram para se expressar. Mas, na
capacidade dos intérpretes de executarem e dos ouvintes em se disporem a ouvir
sem preconceitos. Um Noturno de Chopin executado numa noite chuvosa de sábado,
em um conservatório da periferia, pode ser tão emocionante quanto uma execução
na Sala Pleyel, em Paris.
A música tem este poder.
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