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Brizola de volta ao Brasil: Lula era agente da OIT |
Escrevo ao som do concerto 1
para piano de Chopin, que acredito ser uma das peças musicais mais inspiradas
que eu conheço. Um exercício de virtuosismo gigantesco. Mas, é claro que alguém
pode dizer que se trata de um peça melosa demais, romântica demais, cheia de
arpejos e acordes que remontam um contemplativismo ultrapassado. E, por que diabos,
um italiano turrão como eu se embeveceria com o gênio polonês¿
Aprendi ao longo de 45 anos de
profissão, 46 agora em maio, que jornalistas nunca são bem-vindos. Se forem,
alguma coisa está errada. Não. Não somos donos da verdade. Mas, estamos cheios
delas. E, invariavelmente, somos incômodos.
Certa vez, provoquei um
desconforto danado porque relatei que dois dirigentes sindicais importantes
tratavam de questões fundamentais para o movimento trabalhista e para o país,
enquanto sorviam doses de conhaque português. Um Macieira, se não me engano.
Não inventei. Também tomei uma
ou outra dose. E, confesso que esta informação não tinha nenhuma importância.
Usei apenas para reportar que o ambiente era fraterno.
Ficaram ofendidos.
Tive mestres extraordinários.
Parceiros competentes. Formei mais de uma geração de jornalistas e repórteres.
Sempre fui um divisor de água. Muita gente adorava trabalhar comigo, outros
odiavam. Recebi muitas críticas pelo meu temperamento, pelo meu jeito de ser.
Mas, nunca me acusaram, nem eu acusei, quem quer que seja de estar a serviço
disso ou daquilo.
Nos períodos de transição
entre um emprego e outro, várias vezes fui prejudicado por ser ideologicamente
identificado com um lado da moeda. E outras tantas por ser identificado com o
outro lado.
Fui acusado de ser
corporativista por defender meus colegas. Sei que alguns deles são maus.
Cruéis. Invejosos. Ciumentos. São humanos.
Fico revoltado quando
presencio críticas infundadas contra repórteres que apenas estão cumprindo o
dever de apurar informações e torna-las públicas. E que não raro são acusados
de participar de notáveis conspirações. É cruel.
Conheço muitos repórteres que
mesmo diante da constatação de que a informação base da sua reportagem é falsa,
fazem vista grossa e aprofundam especulações e conclusões equivocadas. Dá um
trabalho danado corrigir depois.
No papel de assessor de
comunicação, defini duas verdades que norteiam o meu trabalho: 1) Existem dois
tipos de notícias: as verdadeiras e as falsas. 2) No processo de comunicação é
fundamental ter conteúdo e verdade. Fora disso, não tem salvação.
Minha vida seria muito mais
confortável se a cada notícia desconfortável ou equivocada eu a atribuísse a
uma notável conspiração. É muito mais difícil tentar entender o desconforto, ou
admitir que o equívoco pode ter sido falha minha ou da assessoria, que não deu
a importância devida ao repórter. Errou ao avaliar a sua importância ou
subestimou o profissional.
Quando Brizola voltou ao
Brasil, no dia 7 de setembro de 1979, eu ouvi ele dizer que Ulysses Guimarães
servira aos militares e que Luís Inácio Lula da Silva era um agente da OIT. Ele
foi questionado por suas declarações e reiterou-as. Estava embevecido pelo
retorno, convencido de que iria mudar o país, entusiasmado pela recepção de
seus conterrâneos. Sei lá. Mas, falou o que falou e repetiu.
Um tempo depois negou. E disse
que tudo era uma conspiração do general Golbery. Tá legal, como diz o grande
Elio Gaspari, é jogo jogado.
Outra coisa que me irrita é a
fulanização da notícia. Tal repórter é mau intencionado. Admito que simpatias
não são vendidas na rua 25 de março. Podem procurar à vontade. E isso é
recíproco. Entrevistei gente que eu não tolerava e assessorei muitos que ou se
imaginavam simpáticos e populares ou discriminados. O antídoto a isso é uma
fórmula comum: educação, respeito e transparência. Nenhum repórter resiste a
isso.
Arrogância, jactância e
presunção normalmente acabam mal. Ainda me lembro de um episódio que eu vivi
com a minha amiga Leila Suwwan, no MEC. Ela repórter de O Globo queria, e tinha
este direito, uma entrevista com o responsável pela logística da primeira prova
do Enem, aquela que foi roubada. O personagem em questão era um professor da
Universidade Federal do Pará. Quando falei com ele, demonstrou confiança.
- Não quer repassar alguns
pontos polêmicos, que ela com certeza vai lhe perguntar¿
- Não é preciso. Ela é apenas
uma repórter.
- Professor, o senhor não acha
que talvez a sua posição não seja tão sólida como queira transparecer¿
- Não.
Reportei o diálogo ao ministro
Fernando Haddad, que me orientou: faça a entrevista na sua sala, fique ao lado
dele, se ele está tão seguro, deixe falar.
Foi um dos maiores desastres
que eu presenciei. Na terceira pergunta, o tal professor foi acometido de um
acesso de tosse tremendo. Recolhido ao banheiro, providencialmente, me cobrou:
- Você não me avisou que as
perguntas seriam tão específicas. Esta menina é mal intencionada!
- Como assim¿ Tudo que ela lhe
perguntou é rigorosamente procedente. Se você não tem as respostas, a culpa é
sua, não dela.
Mas, tem o outro lado também.
Assessorava o então prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, em visita a
Prefeitura de São Paulo.
- Dr.Macri há um exército de
jornalistas que querem ouvi-lo¿
- Nunzio talvez não seja o
caso.
- Como assim, o prefeito de
uma das maiores capitais do mundo visita seu colega em São Paulo, isso é
notícia.
Depois de muita insistência,
ele concordou.
Primeira pergunta: “Como que
um dirigente do River Plate se tornou prefeito de Buenos Aires e o que isso
pode influir na sua gestão¿”
Entrevista nem começou; Macri
saiu da sala. Me olhou com aquele olhar do tipo “eu te falei”.
Macri foi presidente do Boca
Júniors.
Um ministro que eu assessorei,
na verdade, consultei, ainda no Governo Sarney, certa vez me chamou em
desespero:
- Tem uma matéria que vai sair
no Globo amanhã e você tem que tirar.
- Como assim¿
- A matéria é ruim para o
governo, é ruim para mim.
Quando eu me inteirei da
reportagem, conclui que o ministro tinha razão. Ia lhe custar o cargo, na
melhor das hipóteses.
- Mas, como esta repórter teve
acesso a todas estas informações¿ Tem até um ping-pong com você confirmando
tudo.
- Pois é. Fui tomar um uísque
com ela no Piantella e me animei além da conta.
A matéria saiu. O ministro
perdeu o emprego.
Outra notável foi uma manchete
também do Globo: Metade dos estudantes estão abaixo da média das notas do Enem.
Informação foi confirmada pelo INEP.
Não era uma barriga. Era um
ventre inteiro de dinossauro.
Mas, o melhor ainda viria. Uma
colega, muito querida, do UOL, me liga:
-Preciso repercutir a manchete
do Globo. Quem no INEP pode falar sobre isso¿
- Meu Deus! Preste atenção. Se
é uma média aritmética, é evidente que metade tem que estar abaixo e metade tem
que estar acima.
- Não é bem assim. Falei com
especialistas que me disseram que isso é um absurdo e que a eficiência e a
credibilidade do Enem estão abaladas.
Pode parecer absurdo. Mas,
tive que convocar uma entrevista coletiva com o Luiz Cláudio, então secretário
de Ensino Superior, professor, doutor em Matemática, para dar uma aula sobre
médias aritméticas.
No dia seguinte, pelo menos um
grande jornal publicou: MEC confirma, metade dos alunos estão abaixo da média
do ENEM.
A vida de repórter não é
fácil. A de assessor de imprensa também não. Mas, certamente eu não iria querer
outra vida. Entre “conspirações” e incompetências ainda confio e muito nos meus
colegas. Aprendi e aprendo muito com eles.
Em tempo, o concerto de Chopin
já acabou, estou ouvindo agora o quinteto para clarinete de Mozart, o K.581,
chamado Stadler. Uma obra prima.