segunda-feira, 8 de maio de 2017

Minha diva predileta faz 90 anos


Leontyne Price: deusa dos palcos, deixou seu legado em várias gravações




Não há como negar que a indústria fonográfica facilitou, em muito, o surgimento no século XX dos grandes cantores de ópera. Sobretudo as divas. Maria Callas, Kirsten Flagstad, Cláudia Múzio, Joan Sutherland, Elizabeth Schwarpkof, Kathleen Ferrier, apenas para citar as mais famosas. E, em homenagem as minhas amigas Camila Tittinger e Maria José Siri, deusas do século XXI, quero falar sobre a minha soprano predileta, Leontyne Price. Uma senhora que em fevereiro passado completou 90 anos  de idade.

Nascida no Mississipi, ela estudou na Julliard School em Nova York e fez seu debut em palcos em 1950 como Alice Ford do Falstaff de Verdi, em uma montagem escolar. No ano seguinte, arrebentou a boca do balão com a criação de uma Bess impressionante e uma consagrada turnê pela Europa. A partir daí sua carreira decolou e ela começou a compor grandes personagens, com sua voz potente e sua absoluta presença de cena. Se apresentou no Alla Scala, no Convent Garden, em Berlim, Paris e Viena. Em Salzburgo compôs uma Donna Anna do D.Giovanni, inesquecível. E, finalmente, em 1960 estreou no Metropolitan como Lenora de Il Trovatore. E, se não bastasse, fez a primeira Cleópatra, em 1966, na première mundial de Antonius e Cleopatra, de Samuel Barber.

A primeira vez que eu a ouvi foi em um grupo de ouvintes de música, que se reunia um sábado por mês, para se deleitar com as novidades. Foi na década de 60 e era uma gravação em disco, se não me engano da DECCA britânica, de Il Trovatore ao vivo em Salzburgo. Herbert Karajan era o regente. Giuletta Simionatto, a contralto (ou meio-soprano) fazia Azucena, Franco Corelli (nos estertores) fazia Manrico e o grande barítono italiano Ettore Bastianini fazia o Conde Luna. Claro. Leontyne Price, esta negra maravilhosa, fazia Lenora.

Confesso que, embora os especialistas não a incluam entre as grandes obras do maestro Giuseppe Verdi, eu tenho uma fascinação enorme por esta ciganada. Toda a segunda cena do primeiro ato é muita, mas muita música. O segundo ato, por sua vez, é muito teatro, muito drama. Stride la vampa é uma narrativa de horror, impressionante. Não há quem não se arrepie. O Miserere do quarto ato e o desfecho da trama são impressionantes.

Verdi não poupa os quatro cantores principais. Arranca a pele e exige uma performance teatral imensa. Ele faria igual com o Otelo no final da carreira.

Pois bem. Na gravação, dava para perceber que Price teve uma aclamação enorme ao final do Tacea la notte plácida, ainda no primeiro ato. E isso em Salzburgo, um dos públicos mais exigentes do planeta. Eu ouvi a ária aterrado. Preso contra a parede. Era um novo padrão de cantora. Podia-se ver o seu desempenho teatral pela forma como abordava as notas.

Anos mais tarde ouvi a Aída que Leontyne Price gravara em estúdio em Roma, com o maestro Georg Solti, e com ninguém menos que Jon Vickers, o célebre tenor canadense, como Radamés. Confesso que tive a impressão que os dois criaram os personagens de uma forma que Verdi jamais sonharia. Tal a perfeição.

Em 1985, Leontyne Price abandonou os palcos. Nos deixou registrada a sua produção musical, tremenda, em várias gravações. Para mim, ela foi uma das maiores.      

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