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Leontyne Price: deusa dos palcos, deixou seu legado em várias gravações |
Não há como negar que a
indústria fonográfica facilitou, em muito, o surgimento no século XX dos
grandes cantores de ópera. Sobretudo as divas. Maria Callas, Kirsten Flagstad,
Cláudia Múzio, Joan Sutherland, Elizabeth Schwarpkof, Kathleen Ferrier, apenas
para citar as mais famosas. E, em homenagem as minhas amigas Camila Tittinger e
Maria José Siri, deusas do século XXI, quero falar sobre a minha soprano
predileta, Leontyne Price. Uma senhora que em fevereiro passado completou 90 anos de idade.
Nascida no Mississipi, ela estudou
na Julliard School em Nova York e fez seu debut em palcos em 1950 como Alice
Ford do Falstaff de Verdi, em uma montagem escolar. No ano seguinte, arrebentou
a boca do balão com a criação de uma Bess impressionante e uma consagrada turnê
pela Europa. A partir daí sua carreira decolou e ela começou a compor grandes
personagens, com sua voz potente e sua absoluta presença de cena. Se apresentou
no Alla Scala, no Convent Garden, em Berlim, Paris e Viena. Em Salzburgo compôs
uma Donna Anna do D.Giovanni, inesquecível. E, finalmente, em 1960 estreou no
Metropolitan como Lenora de Il Trovatore. E, se não bastasse, fez a primeira
Cleópatra, em 1966, na première mundial de Antonius e Cleopatra, de Samuel
Barber.
A primeira vez que eu a ouvi
foi em um grupo de ouvintes de música, que se reunia um sábado por mês, para se
deleitar com as novidades. Foi na década de 60 e era uma gravação em disco, se
não me engano da DECCA britânica, de Il Trovatore ao vivo em Salzburgo. Herbert
Karajan era o regente. Giuletta Simionatto, a contralto (ou meio-soprano) fazia
Azucena, Franco Corelli (nos estertores) fazia Manrico e o grande barítono
italiano Ettore Bastianini fazia o Conde Luna. Claro. Leontyne Price, esta
negra maravilhosa, fazia Lenora.
Confesso que, embora os
especialistas não a incluam entre as grandes obras do maestro Giuseppe Verdi,
eu tenho uma fascinação enorme por esta ciganada. Toda a segunda cena do
primeiro ato é muita, mas muita música. O segundo ato, por sua vez, é muito
teatro, muito drama. Stride la vampa é uma narrativa de horror, impressionante.
Não há quem não se arrepie. O Miserere do quarto ato e o desfecho da trama são
impressionantes.
Verdi não poupa os quatro cantores
principais. Arranca a pele e exige uma performance teatral imensa. Ele faria
igual com o Otelo no final da carreira.
Pois bem. Na gravação, dava
para perceber que Price teve uma aclamação enorme ao final do Tacea la notte plácida,
ainda no primeiro ato. E isso em Salzburgo, um dos públicos mais exigentes do
planeta. Eu ouvi a ária aterrado. Preso contra a parede. Era um novo padrão de
cantora. Podia-se ver o seu desempenho teatral pela forma como abordava as
notas.
Anos mais tarde ouvi a Aída
que Leontyne Price gravara em estúdio em Roma, com o maestro Georg Solti, e com
ninguém menos que Jon Vickers, o célebre tenor canadense, como Radamés. Confesso
que tive a impressão que os dois criaram os personagens de uma forma que Verdi
jamais sonharia. Tal a perfeição.
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