terça-feira, 16 de maio de 2017

O preço da verdade


Brizola de volta ao Brasil: Lula era agente da OIT




Escrevo ao som do concerto 1 para piano de Chopin, que acredito ser uma das peças musicais mais inspiradas que eu conheço. Um exercício de virtuosismo gigantesco. Mas, é claro que alguém pode dizer que se trata de um peça melosa demais, romântica demais, cheia de arpejos e acordes que remontam um contemplativismo ultrapassado. E, por que diabos, um italiano turrão como eu se embeveceria com o gênio polonês¿

Aprendi ao longo de 45 anos de profissão, 46 agora em maio, que jornalistas nunca são bem-vindos. Se forem, alguma coisa está errada. Não. Não somos donos da verdade. Mas, estamos cheios delas. E, invariavelmente, somos incômodos.

Certa vez, provoquei um desconforto danado porque relatei que dois dirigentes sindicais importantes tratavam de questões fundamentais para o movimento trabalhista e para o país, enquanto sorviam doses de conhaque português. Um Macieira, se não me engano.

Não inventei. Também tomei uma ou outra dose. E, confesso que esta informação não tinha nenhuma importância. Usei apenas para reportar que o ambiente era fraterno.

Ficaram ofendidos.  

Tive mestres extraordinários. Parceiros competentes. Formei mais de uma geração de jornalistas e repórteres. Sempre fui um divisor de água. Muita gente adorava trabalhar comigo, outros odiavam. Recebi muitas críticas pelo meu temperamento, pelo meu jeito de ser. Mas, nunca me acusaram, nem eu acusei, quem quer que seja de estar a serviço disso ou daquilo.

Nos períodos de transição entre um emprego e outro, várias vezes fui prejudicado por ser ideologicamente identificado com um lado da moeda. E outras tantas por ser identificado com o outro lado.

Fui acusado de ser corporativista por defender meus colegas. Sei que alguns deles são maus. Cruéis. Invejosos. Ciumentos. São humanos.

Fico revoltado quando presencio críticas infundadas contra repórteres que apenas estão cumprindo o dever de apurar informações e torna-las públicas. E que não raro são acusados de participar de notáveis conspirações. É cruel.

Conheço muitos repórteres que mesmo diante da constatação de que a informação base da sua reportagem é falsa, fazem vista grossa e aprofundam especulações e conclusões equivocadas. Dá um trabalho danado corrigir depois.

No papel de assessor de comunicação, defini duas verdades que norteiam o meu trabalho: 1) Existem dois tipos de notícias: as verdadeiras e as falsas. 2) No processo de comunicação é fundamental ter conteúdo e verdade. Fora disso, não tem salvação.

Minha vida seria muito mais confortável se a cada notícia desconfortável ou equivocada eu a atribuísse a uma notável conspiração. É muito mais difícil tentar entender o desconforto, ou admitir que o equívoco pode ter sido falha minha ou da assessoria, que não deu a importância devida ao repórter. Errou ao avaliar a sua importância ou subestimou o profissional.

Quando Brizola voltou ao Brasil, no dia 7 de setembro de 1979, eu ouvi ele dizer que Ulysses Guimarães servira aos militares e que Luís Inácio Lula da Silva era um agente da OIT. Ele foi questionado por suas declarações e reiterou-as. Estava embevecido pelo retorno, convencido de que iria mudar o país, entusiasmado pela recepção de seus conterrâneos. Sei lá. Mas, falou o que falou e repetiu.

Um tempo depois negou. E disse que tudo era uma conspiração do general Golbery. Tá legal, como diz o grande Elio Gaspari, é jogo jogado.

Outra coisa que me irrita é a fulanização da notícia. Tal repórter é mau intencionado. Admito que simpatias não são vendidas na rua 25 de março. Podem procurar à vontade. E isso é recíproco. Entrevistei gente que eu não tolerava e assessorei muitos que ou se imaginavam simpáticos e populares ou discriminados. O antídoto a isso é uma fórmula comum: educação, respeito e transparência. Nenhum repórter resiste a isso.

Arrogância, jactância e presunção normalmente acabam mal. Ainda me lembro de um episódio que eu vivi com a minha amiga Leila Suwwan, no MEC. Ela repórter de O Globo queria, e tinha este direito, uma entrevista com o responsável pela logística da primeira prova do Enem, aquela que foi roubada. O personagem em questão era um professor da Universidade Federal do Pará. Quando falei com ele, demonstrou confiança.

- Não quer repassar alguns pontos polêmicos, que ela com certeza vai lhe perguntar¿

- Não é preciso. Ela é apenas uma repórter.

- Professor, o senhor não acha que talvez a sua posição não seja tão sólida como queira transparecer¿

- Não.

Reportei o diálogo ao ministro Fernando Haddad, que me orientou: faça a entrevista na sua sala, fique ao lado dele, se ele está tão seguro, deixe falar.

Foi um dos maiores desastres que eu presenciei. Na terceira pergunta, o tal professor foi acometido de um acesso de tosse tremendo. Recolhido ao banheiro, providencialmente, me cobrou:

- Você não me avisou que as perguntas seriam tão específicas. Esta menina é mal intencionada!

- Como assim¿ Tudo que ela lhe perguntou é rigorosamente procedente. Se você não tem as respostas, a culpa é sua, não dela.

Mas, tem o outro lado também. Assessorava o então prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, em visita a Prefeitura de São Paulo.

- Dr.Macri há um exército de jornalistas que querem ouvi-lo¿

- Nunzio talvez não seja o caso.

- Como assim, o prefeito de uma das maiores capitais do mundo visita seu colega em São Paulo, isso é notícia.

Depois de muita insistência, ele concordou.

Primeira pergunta: “Como que um dirigente do River Plate se tornou prefeito de Buenos Aires e o que isso pode influir na sua gestão¿”

Entrevista nem começou; Macri saiu da sala. Me olhou com aquele olhar do tipo “eu te falei”.

Macri foi presidente do Boca Júniors.

Um ministro que eu assessorei, na verdade, consultei, ainda no Governo Sarney, certa vez me chamou em desespero:

- Tem uma matéria que vai sair no Globo amanhã e você tem que tirar.

- Como assim¿

- A matéria é ruim para o governo, é ruim para mim.

Quando eu me inteirei da reportagem, conclui que o ministro tinha razão. Ia lhe custar o cargo, na melhor das hipóteses.

- Mas, como esta repórter teve acesso a todas estas informações¿ Tem até um ping-pong com você confirmando tudo.

- Pois é. Fui tomar um uísque com ela no Piantella e me animei além da conta.

A matéria saiu. O ministro perdeu o emprego.

Outra notável foi uma manchete também do Globo: Metade dos estudantes estão abaixo da média das notas do Enem. Informação foi confirmada pelo INEP.

Não era uma barriga. Era um ventre inteiro de dinossauro.

Mas, o melhor ainda viria. Uma colega, muito querida, do UOL, me liga:

-Preciso repercutir a manchete do Globo. Quem no INEP pode falar sobre isso¿

- Meu Deus! Preste atenção. Se é uma média aritmética, é evidente que metade tem que estar abaixo e metade tem que estar acima.

- Não é bem assim. Falei com especialistas que me disseram que isso é um absurdo e que a eficiência e a credibilidade do Enem estão abaladas.

Pode parecer absurdo. Mas, tive que convocar uma entrevista coletiva com o Luiz Cláudio, então secretário de Ensino Superior, professor, doutor em Matemática, para dar uma aula sobre médias aritméticas.

No dia seguinte, pelo menos um grande jornal publicou: MEC confirma, metade dos alunos estão abaixo da média do ENEM.

A vida de repórter não é fácil. A de assessor de imprensa também não. Mas, certamente eu não iria querer outra vida. Entre “conspirações” e incompetências ainda confio e muito nos meus colegas. Aprendi e aprendo muito com eles.  


Em tempo, o concerto de Chopin já acabou, estou ouvindo agora o quinteto para clarinete de Mozart, o K.581, chamado Stadler. Uma obra prima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário