terça-feira, 1 de maio de 2012

A história dos Irmãos Villas Boas


Cláudio (João Miguel) em Xingu: interpretação para ser inserida entre as maiores




Sobre os irmãos Villas Boas já ouvi disparates os mais absurdos: de colaboracionistas do regime militar e exterminadores de índios a criadores de uma nova civilização indígena, que substituiria os brancos e acabaria por mandar os portugueses de volta ao Tejo. Conheci Orlando pessoalmente ainda na década de 70. Conversamos muito sobre os krenakarores, que eles haviam acabado de contatar, nas margens do rio Peixoto de Azevedo, no traçado da Cuiabá-Santarém.

Ainda me lembro que seus olhos se encheram de lágrimas e embaçaram os grossos óculos quando lhe perguntei sobre o futuro dos índios-gigantes. “Se eles não forem para o Parque Nacional do Xingu, certamente deixarão de existir”. Orlando lembrou-se do irmão Cláudio e, naquele momento, ainda com a voz embargada, me descreveu a angústia que o irmão mais novo vivia no sertão.

Confesso que também fiquei emocionado. Diante de um dos maiores sertanistas do mundo, eu fui confrontado com um drama imperceptível a olho nu e que parecia completamente deslocado naqueles tempos de euforia nacional: com os militares riscando o sertão com estradas e mais estradas, esquecendo-se que aquelas terras já tinham donos.

Orlando, o verdadeiro: dilema do sertanista

Ontem, depois de conferir Xingu, de Cao Hamburguer no cinema, e rever estes personagens tão marcantes da minha geração, me veio à lembrança aquela figura irreal que eu conheci nos anos 70. Um aventureiro de verdade, um apaixonado pelo sertão, que como os irmãos, tornara-se indianista por acaso. E cujo papel na história moderna do Brasil jamais foi reconhecido: não pelo feito de demarcar o Brasil-Central, construir mais de 1,5 mil quilômetros de picadas, centenas de campos de pouso, nem mesmo por ter criado o Parque Nacional do Xingu, a maior reserva indígena do mundo. Mas, por ter trazido à sociedade uma reflexão inusitada: a relatividade do progresso, para que e para quem?

O filme é, sem dúvida, uma obra-prima. Clique aqui e confira o trailer e as informações do site oficial do filme. É o que eu chamo de uma história muito bem contada. Sem exageros, sem falsos dilemas e sem pretender arrastar hordas de brasileiros arrependidos para dentro das matas. A atuação de João Miguel, no papel de Cláudio Villas Boas, é impressionante. Seguramente se insere na galeria dos maiores performances cinematográficas do cinema nacional. Não via algo assim desde que Leonardo Villar interpretou o Zé do Burro, no clássico de Dias Gomes, ou Anselmo Duarte fez o PM torturador em O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person.

Felipe Camargo, quem diria, faz um Orlando Villas Boas perfeito, no contraponto exato do irmão. Mais político e mais midiático. E Caio Blat, no papel de Leonardo, compõe o trio de aventureiros que saíram de Santa Cruz do Rio Pardo, órfãos, recusaram o apelo urbano de São Paulo, fizeram-se passar por analfabetos para poder cerrar fileiras entre os mateiros da expedição Xingu-Roncador no início dos anos 40.

Cao, amigo, que show. Que mostra brilhante de talento e sensibilidade. Que câmera! Enquadramentos perfeitos, sem exagero. A fotografia de Adriano Goldman é perfeita, sem aquele contemplativismo chato. E o roteiro Elena Soarez, Anna Muylaert e do próprio Cao faz as duas horas passarem num piscar de olhos e mantém a atenção todo o tempo.

Talvez, e aqui vale uma certa polêmica, o confronto com os latifundiários, com os seringueiros e com os garimpeiros pudesse ser mais explorado. Muita gente no Mato Grosso queria mesmo acabar com a raça dos Villas Boas. Pode parecer absurdo, mas além da demarcação da reserva, eles enfrentaram ainda a ira da civilização porque tiraram os índios da escravidão a que eram submetidos. E isso, no século XX!

Mas, concordo que talvez se o assunto tivesse mais destaque, poderia ser um filme inserido dentro de outro filme, o que convenhamos seria um desastre.

De volta ao João Miguel. Ele tem origens circenses. Dedicou-se e aprendeu muito nos picadeiros do interior do Nordeste. Chamou a atenção em Cinema, Aspirinas e Urubus e em O Céu de Suely. Foi um dos primeiros atores que eu convidei para fazer um filme para o Ministério da Educação. E nesta condição foi o primeiro garoto propaganda da Prova Brasil. Na época, os publicitários que me atendiam torceram o nariz. Para ele e para Hermila Guedes. O tempo mostrou que eu estava certo. Modéstia à parte.
Clique aqui para ver o filme que João Miguel fez para o MEC

Festa dos kaiakurus no Parque Nacional do Xingu: ação dos Villas Boas  


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