sábado, 18 de agosto de 2012

A montanha russa da vida



Guernica de Picasso: "Que diabos é essa Guerra Civil Espanhola?"





Numa semana em que se discutiram os indicadores de aprendizado de crianças e jovens brasileiros me assaltaram algumas diferenças e algumas lembranças, que confirmam a minha tese de que a busca do saber tem a ver também com uma questão geracional e ideológica.  Saber para que e por quê?

Tive um professor na gloriosa Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, o genial romancista José Geraldo Vieira, que era surdo como uma porta. Ele tivera a felicidade de, filho de abastada família cafeeira, ser mandado para estudar Medicina em Paris nos anos 30. Ou seja, pegou em cheio a chamada geração perdida.

Claro, ele poderia ter passado seu tempo com meretrizes em Pigalle, ou nas mesas de jogo em Monte Carlo, ou ainda em companhia de playboys europeus, contemplativos e niilistas. Mas, Vieirinha preferiu entender o seu tempo e conviveu com aquela turma toda de malucos e visionários, que está maravilhosamente descrita no filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen.

José Geraldo Vieira se formou médico radiologista em Paris. A exposição ao raio-x  custou-lhe a audição. Mas, ele inscreveria seu nome na história com romances espetaculares. Cito dois que me impressionaram muito: A Túnica e os Dados e Ladeira da Memória.

Vieirinha: mestre e romancista 
As aulas de Vieira eram programadas sempre para as sextas-feiras, no período noturno, das 19 e 30 as 23 e 30. Mesmo assim eram concorridíssimas, salas apinhadas, ninguém nem respirava. Usávamos uma técnica absolutamente insólita. Escrevíamos o tema que queríamos naquela noite no quadro. “Ah! Vocês querem uma aula sobre Malraux” – dizia o velhinho. E tome quatro horas ininterruptas. E assim se seguiram Eisenstein, Buñuel, Hemingway, Jean Renoir e etc...

Duas das lições do Vieirinha, jamais me esquecerei. Em uma ele me cumprimentava por um texto sobre Dolores Ibaburri, La Pasionária, e me dizia: “Ficou muito bom. Mas, faça melhor, faça mais curto”. Em outro ele dizia: a frase perfeita tem sujeito, predicado, complemento e ponto. Nada mais.

Quando cheguei ao Ministério da Educação,  diante de uma equipe de jovens e talentosos profissionais de comunicação, recém aprovados em concurso público, todos eles graduados com brilho, sobretudo na UnB, procurei ensinar que o poder de síntese de um período ou de um acontecimento histórico pode resultar em um único livro ou em uma pintura, ou ainda em uma escultura. Citei como exemplo Guernica, de Pablo Picasso, síntese absoluta da Guerra Civil Espanhola.

Voltei para a minha sala e alguns minutos depois, fui interrompido em meus afazeres por um casal, rigorosamente inconformado, que me questionou: Guernica nós conhecemos, mas o que diabos foi a Guerra Civil Espanhola?

Menos mal que a inquietação aflorou. Mas, nem sempre é assim.

Certa vez, em uma aula na FIAM, tentava ilustrar que não se podia desprezar a capacidade documental do cinema. E conclamava os alunos a assistirem o clássico Uma ponte longe demais, um belíssimo trabalho sobre a arrogância britânica e o desastre da frustrada tentativa de invasão da Holanda, na Segunda Guerra Mundial.

Alguns dias depois, um aluno me procurou  e comentou que havia visto o filme, mas não entendera nada. Como assim? Respondi incrédulo.
              
“Eu não entendi quem brigava com quem, o que os alemães faziam na Holanda. Aliás, não sei dizer quem eram os alemães e quem eram os ingleses”.

No desespero, expliquei que os alemães falavam alemão e os ingleses falavam inglês. E o aluno me respondeu: “Mas, eu vi uma versão dublada”.

A busca do conhecimento tem uma relação clara de causa e efeito. Saber para que? Para poder transformar, para poder entender, para ganhar mais dinheiro e viver mais confortavelmente, para ser reconhecido socialmente, para seduzir, para se afirmar, para justificar uma existência. Mas, a sociedade moderna não entende assim.

Esta sociedade do século XXI é por demais pragmática. Quer apenas a oportunidade e restringe o saber unicamente a etapa de produção que cabe a cada um. Discrimina aqueles que se sobressaem na busca do inusitado, do novo, ou do antigo. Tem horror ao sedentarismo físico, mas não se incomoda com o sedentarismo intelectual. Busca as emoções de uma montanha russa. Mas, não reflete que a vida, a existência, é toda ela uma montanha russa, com altos e baixos, com sucessos e com fracassos, com avanços e com recuos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário