La Boheme/2013: o Municipal trilha sua vocação de ser uma casa de ópera |
Dificil resistir a La
Boheme, ainda mais esta que está em cartaz no Theatro Municipal de São
Paulo, tratada com zelo pelo maestro John Neschling e por toda a equipe da
Fundação, com o competente José Herência à frente.
Vale dizer que La
Boheme é a ópera de São Paulo. Razões efetivas, desconheço. Com efeito, a
obra-prima de Puccini estreou em Turim, em 1896, e um ano depois era montada no
antigo Teatro São José, onde hoje é o Shopping Light, com amplo sucesso de
público e crítica. Embora o Municipal tenha sido inaugurado com Hamlet, de Ambroise
Thomas, em 1911, no mesmo ano a cidade viu os personagens criados por Luigi Illica
e Giacomo Giocosa desfilarem pelo palco da cidade.
Eu mesmo vi mais de uma dúzia de montagens. Já vi cenas
de La Boheme acompanhadas apenas por
piano, até em garagens. Lembro-me de uma com o maestro italiano Gigi Campanino,
que trocava de camisetas coloridas a cada ato, durante o ensaio geral.
Vi La Boheme
em Roma, na Royal Opera House do Convent Garden, no Colon, de Buenos Aires.
Tenho uma meia dúzia de gravações. A que mais me agrada é uma jóia rara, regida
por sir Thomas Beecham, com Jussi Bjoerling e Victoria de Los Angeles.
Esta Boheme/2013, em São Paulo, está sem dúvida entre
as melhores que eu vi e ouvi. A começar pela concepção cênica, moderna,
asfixiante como deve ser uma mansarda em Paris, larga como deve ser a festa de
Natal no Quartier Latin, intimista como deve ser a cena dos limites da cidade. O trabalho de Arnaud Bernard é irrepreensível.
A obra de Puccini é aparentemente singela sob o ponto
de vista musical. Mas, trata-se de um solene engano. Não é. Ela exige muito da
orquestra e do regente. Neschling foi perfeito. Soube conter a torrente
melódica ao mesmo tempo em que ressaltava a voz e as nuances líricas dos
cantores. Por outro lado, foi cirúrgico ao administrar a armadilha do final do
segundo ato, quando a fanfarra entra em cena em um compasso distinto da
orquestra e dos cantores.
Por falar em cantores, pela menos na versão que eu vi,
que seleção maravilhosa. A meio grega Alexia Voulgaridou, detentora de uma voz
quente e expressiva fez uma Mimi mágica, frágil e delicada como convém. A
soprano romena Mihaela Marcu, no papel de Museta, seduziu a todos com uma
cavatina imperiosa no segundo ato. Cheia de frescor e de humor. No terceiro ato
foi assombrosa, perfeita no quarteto. O tenor brasileiro Atalla Ayan (Rodolpho)
não possui uma voz tonitroante. Ao contrário é como um cristal, límpida, clara,
com curvas perfeitas. Por outro lado, o barítono italiano Simone Piazzola
(Marcelo) é vigoroso e potente. Felipe Bou (Colline) e Mattia Olivieri
(Schaunard) perfeitos. O Coral Lírico, agora sob o comando de Bruno Greco
Facio, está mais solto, mais alegre. Enfim, o Municipal está mesmo no caminho
de se tornar uma verdadeira casa de ópera.
Esta La Boheme estará em cartaz no Municipal até o dia
29 de dezembro, sempre as terças, quintas, sábados e domingos. Evidentemente
não haverá espetáculo dia 24.
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