sexta-feira, 27 de junho de 2014

A sinfonia reacionária de Saint-Saëns


Camille Saint-Saëns: admirador confesso de Franz Liszt



Gioacchino Rossini, o grande mestre do bel-canto italiano, perguntado disse certa vez: “Existem apenas dois tipos de música, a boa e a má”. Definição simplista, sem dúvida, e que nos dias de hoje levaria uma centena de críticos musicais à loucura. Afinal, sem adjetivos possíveis o que mais se poderia escrever?

Lembrei-me desta definição por conta de um comentário que ouvi na Rádio Cultura, momentos antes da transmissão da 3ª. Sinfonia de Camille Saint-Saëns, executada pela OSESP. Um atilado e sempre competente comentarista referiu-se ao compositor francês como um apaixonado por Liszt, mas que especificamente nesta peça tinha composto uma sinfonia conservadora, reacionária mesmo.

Que diabos significa uma sinfonia reacionária?

A terceira de Saint-Saëns chamada “Órgão” porque abusa dos efeitos deste instrumento no terceiro movimento é a chamada sinfonia cavalo de batalha para regentes. Não há quem não se emocione com a sua execução, com os temas bastante repetidos com uma orquestração peculiar e o ritmo bem marcante.  

Não consta que Saint-Saëns fosse um reacionário. Mas, ainda que fôsse, como definir a interferência do seu pensamento na sua produção musical. Bem, talvez o reacionário seja eu, vai saber?

Mas, fico me perguntando: alguém consegue ver um homem solitário, de convivência insuportável, invariavelmente alcoolizado, quando ouve as sinfonias de Beethoven? Sim, porque embora genial, talvez o maior de todos, o gênio de Bonn era assim mesmo. Dá para perceber o virtuosismo em Paganini ou em Liszt, mas será que dá para perceber que o italiano era depressivo e o húngaro um conquistador contumaz, que alimentava o ego arrebentando corações aristocráticos da Europa?

Insuportável por insuportável, ninguém tolerava o gênio de Richard Wagner, genioso e genial, de trato difícil, com um ego que faria o deus Wotan ruborizar. Pior, há quem associe a sua música genial ao nacional socialismo alemão. Até bem pouco tempo, não sei se ainda vigora, o maestro Zubin Mehta lutou muito contra isso, era proibido à Filarmônica de Israel executar qualquer acorde wagneriano.

O que dizer da timidez/insegurança de Bruckner ou do conservadorismo de Brahms.

Admito que a personalidade dos compositores também fica impressa no pentagrama. Mas, daí a considerar uma sinfonia reacionária. De duas uma, ou o comentarista se excedeu no adjetivo ou eu faltei a alguma aula. Como um som pode ser reacionário?


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