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O vigor de Dudamel, o detalhismo de Neschling: duas sinfonias de Mahler na cidade, no mesmo dia |
Bom! Copa é Copa. No
Brasil então. Protestos à parte será uma pachecada insuportável. Mas, nem tudo
serão trevas. Como São Paulo vive um momento especial, com reconhecimento
internacional pela produção de óperas e música de concerto, a cidade vai
celebrar o início de julho com dois espetáculos impressionantes: Domingo e
segunda 6 e 7 de julho, John Neschling sobe ao podium do Municipal para reger
nada menos que a 3ª. Sinfonia de Gustav Mahler.
Na mesma segunda dia 7, em
concerto da Cultura Artística, na sala São Paulo, Gustavo Dudamel rege a
Orquestra Simon Bolivar e apresenta a 9ª. Sinfonia do mesmo Gustav Mahler.
Que extraordinário! Dois
dos mais importantes regentes do mundo apresentando-se em São Paulo praticamente
no mesmo dia e regendo Mahler!
Uma palavrinha sobre este
extraordinário compositor boêmio, que aliás na segunda dia 7 de julho
completaria 154 anos. Sobre suas origens: era judeu de nascimento, convertido
ao catolicismo por conveniência. Só depois disso, aos 37 anos, foi nomeado
kappellmeister da ópera da Corte de Viena em 1897.
Antes testemunhou o apogeu
wagneriano, foi amigo do ultra-tímido Anton Bruckner e era visto frequentemente
com Johannes Brahms. Estudante pobre, conforme o figurino do século XIX,
lecionava para sobreviver e era apontado como um virtuosi do piano.
Surpreendeu a todos e
dedicou-se à regência. Em 1891, como titular do Teatro Municipal de
Hamburgo, cunhou fama de perfeccionista e de protagonizar ensaios enormes. Mais
tarde, em Viena, levava os músicos à loucura. Costumava dizer: “No plano humano
faço todas as concessões; no plano artístico, nenhuma”.
Este tipo de personalidade
gerou composições complexas, que exigem sobremaneira tanto dos músicos, como e
principalmente dos regentes. Embora não pareça, nada em Mahler é singelo ou
simples. Pode ser um solo de clarinete ou um acorde de trompas. Com um
agravante, desde sua primeira sinfonia (a mais executada) até a nona (a última
completa, a 10ª. é inacabada) o grau de dificuldade é o mesmo. Exige um
fraseado espetacular, um manejo sinfônico delicadíssimo. Qualquer equívoco gera
um desastre.
A terceira e a nona são,
entretanto, na minha opinião as mais complexas. Alguns regentes como, por
exemplo, Lígia Amadio que hoje brilha no pódio da Filarmônica de Bogotá,
apontam a quinta como a mais perfeita. Bruno Walter, apontado como seu melhor
intérprete, e seu assistente em Hamburgo, foi um dos primeiros maestros a
insistir em apresentá-lo publicamente, gravou pela Columbia, a 1,2,4,5 e 9. Além é claro do mais estonteante gravação do
ciclo de canções Das Lied von der Erde (A Canção da Terra), com a contralto
britânica Kathleen Ferrier e a Filarmônica de Viena.
A dificuldade na execução
das obras de Mahler sempre afugentou os regentes. Lembro-me de ter ouvido uma
composição sua, pela primeira vez, no Theatro Municipal de São Paulo. O regente
era Simon Blech, a cantora era a contralto americana Louisse Parker. E isso foi
no final dos anos 60. A peça: o ciclo de canções Kindertodlieder.
Nos anos 70, o palco do
Municipal ofereceu a pré-estréia paulistana da 9ª. Sinfonia. E foi mesmo um
concerto de arromba. Nada menos que a Concertgebouw de Amsterdam, com o
britânico Bernard Haitink no pódio.
A primeira gravação de
Mahler que eu conheci era um disco obscuro, mas uma interpretação interessante
da primeira sinfonia, com Erich Leinsdorf e a Sinfônica de Boston.
Mas, aí veio o filme Morte
em Veneza, de Lucchino Visconti, de 1971, uma genial adaptação do livro
homônimo de Thomas Mann. O diretor italiano preferiu transformar o personagem
Gustav Aschenbach em um maestro, com alguns elementos da biografia de Mahler.
E, ainda usou o adágio da quinta sinfonia e o lead da terceira como base da
trilha sonora.
O Aschenbach de Visconti
não tem nada a ver com o verdadeiro Gustav Mahler. Mas, a associação e o
sucesso da trilha sonora formaram um binômio insuportável. Haitink, Bernstein,
Boulez, Solti e uma penca de outros regentes instados por suas gravadoras
passaram a registrar a íntegra das sinfonias.
Mahler virou febre. Mas,
nem tanto. A terceira e a oitava eram consideradas impossíveis de serem
executadas em salas de concerto. Uma tem mais de 80 minutos de música, pede uma
contralto ou meio soprano, coro a quatro vozes e coro infantil. A outra chamada
de Sinfonia dos Mil Interpretes, dividida em duas partes, o coro Veni Creator
Spirito e depois a segunda parte do Fausto de Goethe. Nada menos que oito
solistas, quatro coros, orquestra com 200 integrantes. Uma loucura!
Tenho algumas
idiossincrasias musicais com Mahler. Por exemplo, desconheço melhor
interpretação da terceira do que a registrada pelo maestro russo Jascha
Horenstein com a Filarmônica de Londres. A suavidade da quarta para mim tem na
leitura de Willem Mengelbert e a Concertgebouw a melhor performance. A nona é
de Bruno Walter, seus contrastes e seu detalhismo.
É claro que uma gravação é
sempre uma gravação. Ao vivo ali, no pódio, dentro do ambiente sagrado da sala
de concerto, a experiência é outra. Dudamel com seus rompantes e a forma
grandiosa com que lê todas as partituras, certamente vai se dar muito bem,
ainda mais com uma orquestra que ele domina, diria que hipnotiza, totalmente.
Quanto a John Neschling,
um regente mais maduro e experiente, a terceira representa um exercício para o
seu detalhismo e pela forma brilhante com que fraseia as partituras que rege.
Quanto a Sinfônica Municipal de São Paulo está atingindo um nível de excelência
e personalidade impressionantes.
Será um banho de música!
Um atestado claro que a cidade de São Paulo está definitivamente inserida no
rol das metrópoles mundiais que mais produzem música e música de qualidade. Nos
dias 19 e 20 de julho, depois da Copa, o violoncelista Mário Brunello vai
executar com o maestro Alexander Sladkovsky o Concerto para Violoncelo em Si
Menor de Antonin Dvorak. Depois Neschling arrebenta a boca do balão de novo e
exige da Sinfônica Municipal nada menos que o poema sinfônico Assim Falava
Zarathustra, de Richard Strauss. No dia 27, a Orquestra Experimental de
Repertório, com Carlos Moreno e o violinista Daniel Guedes apresentam o
Concerto para Violino em Ré Menor, de Jean Sibelius.
Em agosto, Neschling e a
Sinfônica voltam para o fosso do teatro para apresentar a Salomé, de Richard
Strauss.
É bom correr para as
bilheterias. Ultimamente uma singela galeria do teatro é mais disputada que um
ingresso no Itaquerão.
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