segunda-feira, 9 de junho de 2014

Eis a explicação (ou quase) de por que os Teatros de Ópera mais importantes do mundo já não estão na Itália


 Alla Scala de Milano:  apesar de tudo referência no mundo da ópera 


Gianluca Floris Posted on 31/05/2014


O Scala de Milão é um grande ponto de referência ainda hoje em todo o mundo, assim como são outras de nossas prestigiosas instituições operísticas, mas, infelizmente, o panorama nacional vive um momento histórico, de verdade, dramático, por causa de dificuldades econômicas de vários anos que atingiu todo o setor, reduzido praticamente à míngua.

Do mesmo modo devemos dizer (porque é verdade) que, tanto os teatros de Ópera italianos e muitos festivais, realizam muitas vezes grandíssimas produções com grandíssimos interpretes e nos seus cartazes podemos admirar operações corajosas e de grande significado e valor cultural. Os teatros italianos de Ópera são ainda – no meu modesto parecer – um exemplo no mundo de como um espetáculo de alto nível pode nascer só onde, para além da qualidade artística, cenográfica, vocal e musical, é possível aliar também a habilidade e técnica de nossos artesãos, designers, técnicos, contra-regras, maquiadores, cabeleleiros e estampadores. O lugar no mundo com o mais alto nível dessas especializações é ainda – apesar de tudo – a Itália, o país da Ópera.

Permanece, porém, o triste fato de que hoje os maiores artistas de fama mundial não tenham mais como referência os teatros italianos como ponto máximo da carreira. Teatros de outras nações ocuparam o lugar, como, entre outras cidades, Berlim, Paris, Bruxelas, Londres, Munique, Lion, Nova York, Seattle, Oslo, Copenhague, Buenos Aires, São Paulo, Pequim, Shanghai, Cantão, Tóquio, Osaka e Seul.

Como foi possível que em tão poucos anos a Itália tenha perdido o seu appeal, o apelo, no mundo da Ópera Lírica? Uma resposta superficial poderia ser que, afinal, muitíssimas instituições líricas italianas mal conseguem pagar os artistas e fornecedores e que, portanto, um grande artista com a carreira ascendente prefira planejar as suas temporadas em teatros que possuem menos problemas econômicos. É verdade, mas não é uma resposta completa.

A verdade é que os teatros de ópera vivem em bom estado de saúde nas cidades que são um farol econômico de inovações e, portanto, de relevância política e ponto de referência cultural. Foi sempre assim e continuará a ser assim. A atividade de um teatro de Ópera envolve uma parte sempre muito importante do mundo do trabalho e de inovações do território onde se encontra. Por isso, na Itália, os maiores teatros de ópera surgiram nas cidades de referência econômica e política de várias épocas, como, por exemplo, Roma, Milão, Palermo, Nápoles, Trieste e Veneza.

Podemos dizer que os teatros de Ópera são um dos indicadores do nível de importância de uma cidade ou de um dado território. A existência de um importante Teatro de Ópera é sinal de que a cidade é uma referência cultural. Se o Teatro de uma cidade é uma referência cultural mundial é porque a cidade deve ser uma referência cultural no mundo.

Nas novas cidades chinesas são construídos teatros de Ópera e, por seu turno, há sempre uma companhia italiana em temporada na área do Oceano Pacífico asiático em vários períodos do ano. A decadência da Argentina correspondeu ao período de maior penumbra do seu Teatro Colon, que, ao ressurgir, voltou a ser uma instituição de maior relevo internacional. Para não falar do Teatro Municipal de São Paulo, do Brasil, que recentemente tornou-se um dos mais brilhantes palcos do mundo, atraindo artistas entre os mais aclamados da cena internacional.


Davi Marcondes e Luisa Francesconi: brasileiros em Carmem em São Paulo

















Eis porque na Noruega, com o crescimento econômico devido ao petróleo, a Norske Opera de Oslo se tornou um dos teatros de nível internacional. Eis porque o Metropolitan de Nova York, apesar de ser um dos teatros mais preocupados com a contenção de custos (dos cachês às despesas com guarda-roupas), continua a ser uma referência internacional, pois está localizado na cidade onde ainda hoje se encontra a mais importante bolsa de valores do mundo. E na qual também está Wall Street, o distrito econômico-financeiro que continua a definir as tendências das finanças planetárias e de todas as outras bolsas. Eis porque, muito além de Londres e Berlim, existe ainda uma quantidade impressionante de teatros de Ópera que são importantes no mundo. Como a Ópera de Baku (capital do Azerbaidjão), Tbilisi (capital da caucasiana Geórgia), Astana (capital do Casaquistão), Pequim, Shanghai, Cantão, Seul e centenas de outros teatros líricos estão a surgir em outros países.

Uma nação e uma cidade são importantes - e possuem mais relevância mundial - quanto mais conseguem se tornar um lugar de oportunidade, um destino para pessoas que desejam construir um futuro. Quanto mais conseguem, portanto, valorizar os recursos locais e atrair outros do exterior, enfim, quanto mais unem idéias e energias.

O Teatro de Ópera é um pouco o resumo das energias de um território e de como a comunidade local se organiza e o valoriza. Não é por acaso que em todas as partes do mundo os teatros de Ópera estejam nos bairros centrais da cidade. É porque o centro econômico e dirigente é sempre o grande marco local. O Teatro de Ópera é o lugar que atrai certa classe social e onde as relações podem criar ocasiões e oportunidades.

Acredito que a Itália nestes últimos vinte anos tenha atravessado um período de depressão econômica (e, portanto, política), e que isto tenha refletido (como sempre acontece) também na importância dos seus teatros de Ópera. O persistente comportamento míope dos italianos com relação a toda a Cultura decretou a falência de nossas fábricas de criatividade. Porque os teatros de Ópera são os lugares nos quais nascem os novos cenógrafos, estilistas, técnicos e artesãos, e em torno dos quais se coloca em cena o espetáculo mais caro do mundo. Mas uma nação em queda vertical, do ponto de vista social, político e econômico, desmorona demonstrando não conseguir valorizar os seus recursos e os bens mais preciosos.

Eis porque então um jovem cantor ou musicista acabe por não enxergar na Itália uma terra de oportunidade para o seu futuro. Eis que (só em Itália) até agora os teatros de Ópera façam planejamentos de programação por apenas seis meses, enquanto em todas demais casas de ópera do mundo a elaboração acontece para os próximos cinco anos, causando appeal, apelo, e competitividade. Eis porque na Itália os teatros fizeram frente à crise procurando utilizar os gastos com os trabalhadores estáveis, mas postergando por anos os pagamentos de artistas e fornecedores. Eis que estes artistas e fornecedores buscam e aceitam contratos em outros lugares de gestões mais “normais” e eis que os nossos teatros se esvaziaram dos nomes mais prestigiosos. Eis que as referências culturais do setor que representa o patrimônio italiano mais conhecido no mundo, acabaram por se tornar o Teatro de Ópera de outros países, que não são a Itália.

Eis que iniciar a reconstruir e apoiar este patrimônio italiano tão importante, será o indicador da vontade e da capacidade de reconstruir e de apoiar todo o nosso país. As duas coisas se sustentam. Mas, seguramente, sem um país que volte a dialogar com o mundo, não será possível haver teatros de Ópera de relevo mundial.

A coisa mais extraordinária seria que todos que vivem do teatro passassem a se empenhar no renascimento da Ópera. Dos construtores de cenários aos contra-regras. Dos maquiadores aos mestres do palco. Todos devem estar prontos a contribuir para o renascimento da Ópera. E seria um belíssimo sinal de orgulho de nosso País, finalmente, demonstrar ser capaz de valorizar as suas jóias. Um sinal para nós cidadãos, mas também e, sobretudo, para o mundo inteiro.

Todo o mundo conhece ainda hoje o nome de Pavarotti, apesar de não estar mais entre nós, porém, ninguém sabe, por exemplo, quem é Carlo Conti (e não me refiro ao apresentador de televisão). No dia em que a Itália demonstrar saber investir no seu patrimônio cultural, apreciado no mundo, mais do que gasta para o entretenimento televisivo “intra muros”, será um sinal belíssimo para todos nós, para os nossos filhos, para todo o mundo.

“A Itália está despertando”, poderá se afirmar.

Não estamos esperando outra coisa, não estão esperando outra coisa.


Um comentário:

  1. Olá tudo bom? Sugiro que o senhor coloque um widget ali do lado para assinarmos o seu blog e recebermos por email. Eu gostaria muito. assim fica mais facil de acompanhar e ai vamos lendo sempre que o senhor publica. obrigada!! parabens!

    ResponderExcluir