segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O grande duelo da Tosca de São Paulo


Ainhoa Arteta(Tosca) com Roberto Frontali(Scarpia): segundo ato. Avanti a lui...



A primeira coisa que salta aos olhos, ou mais apropriadamente aos ouvidos, nesta monumental montagem de Tosca, no Theatro Municipal de São Paulo, é a condução orquestral soberba do maestro ítalo-suiço Oleg Caetani. Em uma palavra: impressionante!

Conto mais de 30 montagens de Tosca. Algumas exuberantes, em teatros majestosos, como o MET, o Scala e o Colon. Cantores consagrados como Domingo ou Carreras, ou Guelfi, ou Bruson, ou Freni ou Caballet. Ou, por outro lado, montagens amadoras, em teatros pequenos, uma delas até na garagem de um casarão, acompanhada apenas por um píano. Mas, esta de Caetani revela uma releitura inimaginável da partitura de Puccini.

Ele simplesmente fez a música fluir. Sem ênfases excessivas, sem atropelar o andamento como se tudo fosse uma tarantela ou uma canção napolitana. Pontuou com notável clareza as frases. Fez fluir a orquestração original e apostou nos solos e nos naipes, notadamente das madeiras e das trompas. O solo de clarineta na abertura do terceiro ato, na introdução do E Lucevan le stelle,  foi marcante. Perfeito.

Nossa orquestra se comportou a altura do maestro que ocupava o podium.

Bem, outro ponto marcante foi a seleção de cantores. Basicamente do trio principal. As duas sopranos são maravilhosas. Ainhoa Arteta, mais experiente fez uma Flória  Tosca mais interiorizada. Mais reflexiva. Seu Vissi  D’Arte provocou arrepios. A lituana Ausrine Stundyte, mais jovem, fez uma personagem mais vigorosa e mais teatral. Duas performances memoráveis.

Os barítonos, ao contrário, tiveram participações distintas. Embora ambos estivessem muito bem caracterizados no papel do barão Scarpia, o italiano Roberto Frontali foi superior com uma voz mais ampla, redonda e convincente. O cubano Nelson Martinez – excelente cantor diga-se – esteve um ponto abaixo, mas compensou com uma performance teatral magistral.

Convém registrar que o Barão Scarpia é um dos vilões mais cínicos da história da ópera.

Frontali (Scarpia): um dos mais cruéis vilões de todas as óperas
Bom chegamos ao ponto nevrálgico desta montagem: os tenores. Muito bem. O badalado Marcelo Alvarez, flamante tenor argentino que granjeia fama nos maiores teatros do mundo, teve uma crise de diva, mas ao final apresentou-se de forma correta. Fez um Cavaradossi comedido, sobretudo nas grandes árias, Recondita Armonia e E luceven en stelle. Saiu-se melhor nos duetos com a espanhola Arteta.

O americano Stuart Neill, por outro lado, arrebentou a boca do balão. Mais integrado com a leitura de Caetani, ele fez um Mário Cavaradossi maravilhoso. No domingo, após a grande ária do terceiro ato, teve uma consagração de quase 10 minutos de aplauso. A química com a soprano Ausrine Stundyte funcionou perfeitamente. Ambos deram um show no palco. Sobretudo no segundo ato, quando a intensidade dramática beira a insanidade.

Uma palavra sobre o aggiornamento da trama e a montagem de Marco Gandini. Não são todas as óperas que se prestam a isso.  Sempre achei que Tosca era uma delas. Afinal a ação é bastante datada: a célebre batalha de Marengo, em 14 de junho de 1800; os cenários também: a Igreja de Santo André dell Valle, o Palazzo Farnese e o Castelo de Sant’Angelo, todos em Roma.

Ausrine Stundyte(Tosca): ambientação nos anos 70 funcionou 


Gandini, entretanto, trouxe a trama para os anos 70 do século XX.  É verdade que entre o estado autoritário e policial de Pio VII e as ditaduras militares latino-americanas vai uma grande diferença. Mas, o barão Scarpia bem que poderia ser comparado ao delegado Fleury. Algum desconforto em imaginar uma diva liberada, tão piedosa. Mas, são pequenos detalhes que não incomodam. A verdade é que os cenários funcionaram muito bem, inclusive o teto da prisão com o anjo caído, no terceiro ato.


Neill e Alvarez terão ainda sete récitas de duelo. Será muito interessante acompanhar o confronto.



2 comentários:

  1. Não tenho nem palavras para descrever o quanto gostei e me emocionei também! Pena que não fui no domingo e não pude ver Stuart Neill arrebentando a boca do balão!!! =(

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  2. Amei seus comentários e realmente o tenor argentino deve uma crise de estrela,triste....meus parabéns pelo belíssimo comentarios.

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