sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Wagner, limpo e puro



Duas cenas de Lohengrin: acima o anúncio da chegada do Rei, com o coro na posição
 de comentarista; abaixo a cena de duelo entre Frederico Telramund e Lohengrin.



Sem entrar na discussão burra que contrapõe o maestro Giuseppe Verdi e o maestro Richard Wagner, dois gênios absolutos da ópera e do drama lírico, é forçoso reconhecer, entretanto, que o gênio alemão tem um grau de exigência que transcende aos libretos propostos. Nada em Wagner é linear. O vilão nem sempre é vilão, como em O Holandês Voador, nem o herói é tão herói como em Tannhauser. Nem vou descer as minúcias da tetralogia, onde definitivamente nada é o que parece.

Wagner é um contador de histórias, cheias de conteúdo simbólico, e onde a orquestra e a consequente música por ela executada fazem parte definitiva da trama. Mesmo quando ele ainda ensaiava o que mais tarde seria o leitmotiv, como neste Lohengrin, que estreou no Theatro  Municipal ontem, quinta, dia 8.

O comando preciso de John Neschling com os concursos de Yannis Kounellis (cenografia) e Henning Brockaus (direção de cena) culminaram com um Wagner soberbo. Puro. Sem afetamentos. E permitiram aos cantores, o tenor croata  Tomislav Muzek, a soprano suíça, Marion Ammann, a mezzo Marianne Cornetti e ao baixo barítono islandês, Tómas Tómasson, brilharem unicamente pela beleza de suas vozes e pela capacidade de dar vida aos personagens que interpretavam.

Neschling por sua vez não deu trégua à orquestra. Exigiu as minúcias absolutas, sobretudo nos prelúdios do primeiro e terceiro ato e nos longos interlúdios orquestrais. E a brava Orquestra Sinfônica Municipal respondeu a altura. Soou com brilho e com musicalidade. O Coro Lírico Municipal foi muito bem preparado pelo maestro Bruno Facio, desde fevereiro, e serviu maravilhosamente ao papel duplo que lhe coube: o de comentarista das ações que se desenvolviam na trama e o de personagem na mesma trama.

Yannis Kounellis, o cenógrafo, é um dos fundadores do movimento Arte Povera, que prosperou na Itália, sobretudo nos anos 60, valendo-se de elementos muito simples e casuais para compor uma cenografia. Brockaus é discípulo da escola de Bertold Brecht, entusiasta do teatro mínimo. Sua concepção de Parsifal fez muito sucesso na Europa.

Lohengrin não é uma ópera fácil de ser encenada. Ela anda perigosamente no limite do kitsch e do mal gosto. Não é o caso. Em nenhum momento os diretores da versão paulistana perderam o controle da montagem. E a narrativa foi tão eficiente que houve um frisson no teatro quando da revelação do cavaleiro encantado.

Wagner já tinha concluído o seu Lohengrin quando teve de fugir para a Suiça depois de se envolver na revolução liberal de 1848. Aos 37 anos, arrancou até o último florim de Liszt para lhe entregar os manuscritos, que afinal serviram de base para a estréia em 28 de agosto de 1850, em Weimar. O compositor permanecia em Zurique e orientou o célebre maestro e professor húngaro por farta correspondência.

Foi a última das composições de Wagner ainda no modelo italiano de números. Com duetos, trios, quartetos, árias e coros. A partir daí ele mergulharia na tetralogia, no Tristão e Isolda, Mestres Cantores de Nuremberg e Parsifal. Todas consagradas ao drama lírico.

Este Lohengrin certamente fará história no Theatro Municipal de São Paulo. É uma das mais competentes montagens da gestão Neschling. 


O segundo elenco desta versão paulistana do Lohengrin de Richard Wagner conta com o concurso do jovem tenor russo Viktor Antipenko, da soprano americana Natalie Bergeron, da mezzo islandesa Johana Rusanen  e do baixo barítono alemão, Johmi Steinberg. A regência é do jovem maestro Eduardo Strauzzer, assistente de Neschling.
Primeiro elenco, dias 11, 15, 17 e 20;
Segundo elenco, dias 10, 13 e 18.
Aos domingos as 18 horas e nos outros dias as 20 horas.   

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