domingo, 28 de agosto de 2011

As grandes lições do mestre Mino Carta

A maioria dos brasileiros não possui a consciência da cidadania e até hoje 1% da população é dona de 50% das terras férteis. Temos um povo resignado e uma elite, salvo raras exceções, exibicionista, ignorante, mal-educada e terrivelmente provinciana. Não é assim em outros cantos, e são estes pontos que convém ressaltar  se o assunto é desigualdade global.
Mino Carta, in Carta Capital, domingo dia 28 de agosto de 2011.



Lula em Vila Euclydes: decisão dos metalúrgicos mudou a história do pais




Já disse neste mesmo espaço que tive grandes privilégios na minha carreira. Convivi diretamente com os maiores jornalistas da minha geração. Alguns tiveram o espírito caridoso de me ensinar alguns truques, outros me fizeram o favor de emprestar rigor e cobrança ao meu trabalho. Outros me confiaram missões aparentemente acima da minha capacidade. 

Mino sempre teve um carinho muito grande por mim e pelo meu trabalho. Quando lhe competia editar, sempre deixava para o fim, o que queria dizer madrugada alta e não raro manhã de sexta-feira. E fazia com humor. Vibrava e repreendia com o mesmo diapasão. Elogiava e criticava na mesma altura. Brincava, contava histórias. Às vezes me corrigia com um sorriso e relembrava os seus mestres, enquanto me repassava novas orientações.


Talvez a maior lição que eu aprendi ele me tenha ministrado em março de 1979. Havia uma tensão muito grande nas relações entre os sindicatos dos metalúrgicos do ABC e a FIESP. O impasse estava instaurado. A justiça havia declarado a greve ilegal. Não havia nenhum sinal de recuo de nenhuma das partes.


Na quarta-feira, o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, chamara a seu apartamento nos Jardins as lideranças sindicais. O objetivo era informa-las que caso não recuassem sofreriam intervenção, as fábricas e os sindicatos seriam militarmente ocupadas e eles mesmo seriam presos.


Passei a madrugada toda sentado do lado de fora do apartamento à espera do final da reunião.  Quando a manhã de sexta-feira chegou, a porta  finalmente se abriu e os três presidentes se despediram educadamente do ministro. Precisavam ir para suas assembleias e não havia condução. Ofereci-me humildemente para transportá-los no meu Fusca. E, assim, ainda acompanhados pelo advogado dos sindicatos, Almir Pazzianotto, fomos os cinco em direção a Vila Euclydes.


Lula estava ao meu lado, no banco do carona. No caminho me dizia que não havia como recuar. E me relatou todos os termos da reunião com Murilo Macedo.


Quando chegamos a São Bernardo, estava bem claro que os metalúrgicos não admitiam a hipótese de recuo e não se intimidariam com as ameaças do governo.  Foi uma assembleia histórica. Decidi não voltar para São Paulo e me coloquei dentro da sala do Lula no Sindicato. Lá escrevi a reportagem e decidi me plantar à espera que alguma alma viesse me substituir.


No começo da noite adormeci no sofá. Fui despertado por meu substituto, eram nove horas da noite. E era o próprio Mino:


- Nunziotto, vá para a redação, passe em casa tome um banho, alimente-se e volte.

Mino Carta: liderança segura e efetiva

As duas horas da manhã, eu estava de volta.  Lula e Mino conversavam animadamente. Falavam do cabrito a caçadora que haviam jantado, encomendado ao Demarchi, um dos célebres restaurantes das colônias de São Bernardo do Campo.


Mino voltou para a redação. A soldadesca se movimentava, a cidade começou a ser cercada. O dia amanheceu. Eu ouvia mentalmente o primeiro movimento da Terceira Sinfonia de Mahler. Liguei para a redação. Ao ouvir o meu relato, Mino começou a gritar ordens seguras, para mim sobrou:


- Nunziotto você gruda no Lula.


Eu já estava. O resto todo mundo sabe.


Já era noite quando editávamos o material. Ainda me lembro com emoção das fotos do Hélio Campos Mello e do João Bittar. Tão Gomes Pinto e Hélio Almeida davam os últimos retoques na edição. Mino começou a escrever a sua célebre Carta ao Leitor. Falava consigo mesmo.

- Preciso encontrar uma frase que sintetize tudo isso.


Entreolhávamo-nos perplexos. Enfim saiu.


“O povo é órfão neste país!”


Era como se de repente, o tutti orquestral mahleriano houvera cessado e as trompas mágicas em acordes sucessivos anunciavam o que parecia ser a verdade singela e tonitroante.


Clique aqui para ouvir o primeiro movimento 
da Sinfonia nr. 3 de Gustav Mahler


Sábado era meu aniversário. Alguns colegas me premiaram com uma festa surpresa no apartamento da Vera, de O Globo. Quando eu cheguei, fiquei ainda mais emocionado. Os colegas aplaudiam o trabalho que havíamos feito. Realmente um belo trabalho, sem falsa modéstia, que só foi possível por conta da liderança perfeita de um jornalista que orgulha a profissão, e de uma equipe maravilhosa.

Para terminar preciso registrar o trágico passamento do grande Rodolfo Fernandes. Uma tragédia, sem dúvida. O jornalismo brasileiro perdeu muito ontem. Vai com Deus amigo! Espere por nós na redação celestial que você com certeza vai liderar. Humildemente quero solicitar desde já o meu posto de repórter.  

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