sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ah! Estes franceses...




Salão do Lucas Carton, em Madeleine: um dos melhores restaurantes do mundo



Um inquietante documentário de Max Ophuls, dos anos 60, com mais de seis horas de duração, mostra que a classe média francesa não estava tão desconfortável com a ocupação nazista, o governo de Vichy, etc... De fato, nada pode ser mais insuportável do que um francês médio e seu ar de superioridade, que com o andamento da economia europeia, é tão falso como o ânimo de libertação pós 6 de junho de 1944.

Com uma frente fria que nos fez lembrar que afinal é inverno no Hemisfério Norte, o café da manhã aqui em Varadero passou a ser concorrido. Uma francesa gorda ficou chocada com o fato de que nenhum de nós falava ou queria falar francês e ela não falava uma palavra de nenhum outro idioma. Comportava-se como uma selvagem, agredia os funcionários, os outros hóspedes. Um escândalo!

Dois franceses que conversavam animadamente no meio do salão do café, interditando a passagem das pessoas, ficaram incomodados porque eu pedi passagem. Falei em francês, excuse moi. E eles sequer se mexeram. Falei em inglês, excuse me, e eles continuaram impávidos. Falei em espanhol, permiso, e nada. Então apelei para o velho idioma da pátria mãe: VATE A FANCULLO!

Nem assim!

Certa vez, estava em Paris, hospedado com a Rosa e o Celso Furtado, e quando saímos, atrasados para uma entrevista, havia uma carroça cheia de cerejas maravilhosas bem na frente de nosso prédio. Enchi a boca d’água, mas a Rosa, sempre ciosa, lembrou-me que estávamos atrasados e que a carroça não sairia dali antes do final do dia.

Quando voltamos era a hora do almoço, pedi ao vendedor um saquinho enorme de cerejas. Mas, ele me mostrou o relógio de pulso (eram 12 horas) e me respondeu: “C’est fini!”

Outra história marcante foi quando decidi comprar uma camiseta Lacoste, a clássica branca, com o jacaré bordado no peito. Na época só se encontrava aquela camiseta na França. Fui a uma loja diante do Louvre e pedi uma número 4. A vendedora, que também parecia ser a dona da loja, me disse que quatro era muito grande. Que para mim deveria ser número dois. Insisti que era número quatro. Inconformada ela chamou uma vendedora que falava português, ainda que eu me expresse muito bem em francês.

Era uma portuguesa, uber antipática, que voltou com a lenga-lenga de que quatro era muito grande e que o meu tamanho ideal era dois. Em algum momento, eu disse que não queria comprar a dois e sim a quatro. Pois tive que me dirigir a uma outra loja. Naquela a proprietária só me venderia a número dois.

Outra vez, fui a Paris a convite da Renault, um boca livre total. Antes, meu amigo Massimo Ferrari havia me recomendado que fosse jantar no mais famoso bistrô do mundo, o Lucas Carton, em Madeleine. Não só me recomendou como me deu um cartão me apresentando ao célebre chef de cuisine.

Fui recebido em Paris pela francesa mais chata, mais pernóstica, mais metida que havia em toda a França. Ainda que ela falasse um pouco de português, passou o tempo todo lembrando da minha condição de filho de imigrantes europeus, de subdesenvolvido, de colonizado e assim por diante. Comentava os meus trajes – invariavelmente inapropriados – meus modos e dizia sempre que eu me comportava como um selvagem.

Além de me irritar profundamente e estragar a minha viagem, a tal francesa fez brotar em mim um sentimento de revolta e de revanche. Na tarde do último dia, depois da entrevista com o presidente da empresa que, aliás, anunciava seu desejo de investir no Brasil, assumi meu papel de bocó e convidei-a para jantar.

A francesa me pegou no hotel as 21 horas, com aquele ar de superioridade. Reclamou que eu usava jeans com um palito de tweed e me perguntou onde eu queria jantar. Quando disse que queria ir no Lucas Carton, ela explodiu em uma gargalhada debochada.

- Você está louco? Neste local tem que fazer reserva com um ano de antecedência. É caríssimo. Eu mesma nunca fui lá.

Eu insisti e ela com visível mal humor concordou em encaminhar-se para o restaurante, sem antes me avisar de que eu pagaria o maior mico.

Quando chegamos ao restaurante, saquei o cartão do Massimo. Alguns minutos depois apareceu o próprio Lucas, para me abraçar e pedir informações sobre o amigo que vivia no Brasil. Nos encaminhou para uma ante-sala de sua cozinha, onde mandou preparar uma mesa especial. Serviu-nos uma amostra de todos os seus pratos e um vinho de 18 anos, um Bordeaux, sensacional. Ao final do jantar, sentou-se a mesa para partilhar um café e uma taça de Armagnac. Elogiou o meu gosto pela comida, ficou orgulhoso. Preparou uma sacola com temperos e iguarias.

A pentelha mudou completamente de postura. Agora me lançava olhares perturbadores, talvez pelo efeito do vinho e do Armagnac. Quando chegamos na porta do hotel, ela estacionou o carro em local apropriado e me perguntou:

- Me convida para um café?

- Não. Muito obrigado pela companhia do jantar.

Abri a porta e desapareci. 

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