sábado, 21 de janeiro de 2012

Vada a porto, cazzo!

Ditado popular: quem disse que os ratos são os primeiros a abandonar um naufrágio?




Não gosto de cruzeiros. Tenho resistido aos convites e as tentações, além da pressão  da minha família. A ideia de estar em uma gaiola no meio do oceano e dividir refeições, piscina, bares,  com 4.700 companheiros, sem poder dizer para que eu quero descer, me dá uma sensação de claustrofobia tremenda.

No anedotário trágico da semana, por conta do desastre do Costa Concórdia, não posso deixar de registrar que meu amigo e irmão, o ultra competente Ancelmo Gois, em O Globo, teve a feliz sacada de republicar uma de tantas frases de sir Winston Churchill: “Em termos de cruzeiros, prefiro os italianos. O serviço é fantástico, a cozinha é espetacular, e em caso de naufrágio, não tem este história de mulheres e crianças primeiro”.

Sir Winston era genial até no humor negro, evidentemente regado a pelo menos uma garrafa de conhaque por dia e cerca de 30 charutos cubanos. E, atenção turma da patrulha, ele viveu 96 anos, duas guerras mundiais, a guerra dos Boers, a revolução da Irlanda, entre outros episódios. Isso sem falar que escrevia como um deus.

Mas, de volta a tragédia da costa da Toscana, me chamou a atenção uma colocação de Arnaldo Bloch, também no Globo de hoje, sobre a atitude do capitão do navio, que já ganhou a galeria da infâmia por ter abandonado o navio antes dos passageiros e dos tripulantes para a estupefação geral :

“Não deixa de ser uma boa notícia: por remeter a questões relacionadas a honra, bravura, solidariedade e outras qualidades escassas, tal interesse pode ser interpretado como um impulso moral coletivo, coisa alentadora nestes tempos marcados, simultaneamente, por uma grande interconectividade e por um individualismo exacerbado. E no qual os discursos de uma ética global, financeira, ambiental ou política perdem-se na retórica e na queda de braço entre a sociedade civil, o Estado e as corporações: ninguém quer largar o osso, mas, na hora do naufrágio, todo mundo quer pular primeiro”.

Perfeito. A Jovem Pan falou em esportes. Ou seja, não se fala mais nisso.

Viagens de navio, cruzeiros, etc, eram privilégio da aristocracia. Os negros africanos vieram para o Novo Mundo à força acorrentados nos porões dos navios portugueses. Os imigrantes italianos e japoneses vieram em porões sujos. Sobreviveram à fome e as doenças.

Titanic: desastre famoso em abril de 1912


Dá para dizer que a “belle époque” foi literalmente por água abaixo com o naufrágio do Titanic. E aquela imagem linda e romântica de Debora Kerr e Cary Grant, em Tarde Demais para Esquecer, ficou perdida no tempo e gravada no celuloide.

Hoje, a classe média, este dragão incontrolável, quer, a seu modo, reviver os tempos da aristocracia, tomando Coca-Cola com Jack Daniels e comendo maionese deteriorada, ainda que para isso tenha que enfrentar uma fila tremenda, ou se limitar a fazer as refeições e disputar o espaço comum em horários determinados. E, como sempre, sem civilidade, cultura ou estilo, acaba por atropelar a tudo e a provocar tragédias.

Meu compadre, Osmar de Freitas Júnior, um dos maiores repórteres com quem tive o prazer de trabalhar, foi destacado por mim para cobrir a reestreia do glorioso transatlântico Queen Mary, o maior do mundo, em uma viagem entre Nova York e São Francisco, com direito a passar pelo Canal do Panamá.

Queen Mary: custou a audição do Osmar


Ainda me lembro do relato do Osmar: “Foi um horror. Um bando de caipiras se amontoando nas piscinas e nos refeitórios, bebendo desbragadamente, sem qualquer estilo. Era extremamente revigorante participar de um intenso debate no deck do navio sobre o ponto certo da fritura de um pedaço de frango, que evidentemente não se comparava aquele feito em casa, em Oklahoma ou Wisconsin”.

Osmar perdeu a audição de um ouvido e boa parte do outro. E não foi pelo conteúdo das conversas de que deve ter participado. O algoz foi um vírus que ele contraiu em uma das piscinas do gigantesco transatlântico, provavelmente originário do Arkansas.

Scorpius: cruzeiros pelos fijordes do Chile


Eu e Rejane fizemos certa vez um cruzeiro memorável pelos fjordes chilenos. Era um pequeno navio de fabricação dinamarquesa, para não mais do que 200 passageiros. O armador era um velho comandante grego, Constantin Kochiffas, que batizara a frota com o nome de sua ilha natal, Scorpios. Ele pessoalmente tocava a capitania, sua mulher , uma chilena, cuidava da cozinha. E assim, entre ostras, locos, mariscos de toda a sorte, merluzas e salmões, regados com extraordinários coquetéis com pisco, ou com rum caribenho, ou com gin inglês, passamos oito dias agradabilíssimos no percurso de ida e volta até a Laguna de San Raphael, no coração da Patagônia.

Pelas dúvidas, não entramos na piscina. Aliás, não tinha piscina. Apesar da viagem ter ocorrido em fevereiro, o percurso entre as geleiras da Cordilheira dos Andes não permitia tal prática.

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