domingo, 15 de janeiro de 2012

Sobre batucadas e bandoneons

- Você tem um que de Cortazar
- Um poster. De Cortazar tenho um poster






Neste domingo, O Globo traz um excelente artigo de Luiz Paulo Horta e uma belíssima reflexão: 

Conversando com os meus botões, tenho tentado descobrir por que o cinema argentino vem dando de dez na produção nacional. Uma resposta possível é que aqueles ás vezes irritantes portenhos estão em contato como que Miguel Unamuno chamou de “o sentimento trágico da vida”.
No alto nível em que Unamuno o colocou, este sentimento não significa que a vida seja uma desgraça, e sim – como sabiam os velhos gregos – que ela pode ser submetida a pressões terríveis, o que afinal nos devolve à noção de quão preciosa ela é.

Tenho reiterado que argentinos e brasileiros tem muito em comum, como de resto uruguaios. Os humores que nos diferenciam são mais artificiais, criados por um nacionalismo tolo e por um orgulho besta.  A grande diferença é que o peso da negritude no Brasil é infinitamente maior que entre os orientais e praticamente nulo entre os portenhos.

De resto, os brasileiros são formados pelo mesmo extrato de imigrantes ibéricos, portugueses aqui e espanhóis lá, muitos, mas muitos italianos, judeus, árabes, japoneses, etc... A diferença são os africanos, o que nos aproxima do Caribe e dos Estados Unidos. A aspiração da classe média argentina e uruguaia já foi muito distinta da nossa. Enquanto os platinos queriam investir em cultura, os brasileiros queriam enriquecer e revelar modernidade. Eles sempre quiseram ser europeus, nós norte-americanos, mais precisamente “miamistas”.

O passado faz de Buenos Aires e Montevideo cidades mais contemporâneas em termos de  arte e espetáculos. Recentemente participei de um encontro de comunicadores e educadores na capital uruguaia e fomos agraciados com um concerto da camerata uruguaia, com um programa de música antiga do século XVI e XVII. O teatro da OSSODRE estava lotado. Tenho minhas dúvidas se tal sucesso se repetiria no Brasil.

Como hoje prepondera o conceito afortunado de que somos todos latino-americanos, ainda que nosotros hablemos português, mais a globalização, as identidades culturais são cada vez mais parecidas. As aspirações são as mesmas. A diferença está no cinema, onde não posso deixar de dar razão ao Horta, é um massacre.

Na minha modesta opinião, o cinema argentino larga com uma vantagem muito grande pelo fato de ter excelentes roteiristas. Os filmes ainda tem a incrível característica de serem escritos antes de serem filmados. Por esta razão, as histórias são simplesmente contadas, sem a pretensão explícita de ser politicamente corretos, de abrigar uma causa ou de tentar explicar nossos eternos problemas existenciais.

Outro ponto marcante é o humor: simples e direto. Ainda me lembro do diálogo de Laura (Soledad Villamill) e Jorge (Ricardo Darin) no filme de estréia do oscarizado Campanella em “O Mesmo Amor, a Mesma Chuva”.  Diz Laura: “Li seus textos, você tem um que de Cortazar”.

Responde Jorge: “Um pôster. De Cortazar tenho um pôster”.

Em termos de música, o maestro Piazzolla costumava dizer – e o Horta registra no seu artigo – que os argentinos faziam música europeia e os brasileiros tem o impacto da negritude. Nada mais verdadeiro.

Pessoalmente acho que boa música não tem nacionalidade, influência e outros quetais. Odeio análises sociológicas. Para mim, parodiando o grande Rossini, existem apenas dois tipos de música: a boa e a ruim. E até nisso somos iguais, nós latino-americanos, temos boa música e muita música ruim, com batucada ou bandoneon.

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