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Anja Niedringhaus: alegria de documentar a história e de participar do mundo |
A morte da repórter fotográfica Anja Niedringhaus, assassinada
no Afeganistão, enquanto buscava registrar com suas lentes o processo eleitoral
daquele país, é uma destas imbecilidades capazes de provocar um profundo desapego a humanidade, uma
vontade incontida de migrar para Marte ou Sirius.
Jornalistas, de
trincheira ou não, foram e serão vítimas da truculência, maior ou menor, sempre
que a realidade não consentida for documentada. Não há novidade nisso. A morte
de Anja, entretanto, se reveste de um componente muito mais revoltante. Ela
viajava acompanhada por sua colega Kathy Gannon no esforço de documentar a
distribuição das urnas eleitorais. Um agente oficial do comboio, numa das
dezenas de barreiras que elas devem ter enfrentado, foi até o carro das
jornalistas, afastou-se e disparou seu fuzil Ar-15, aos gritos de
Allah-u-Akbar.
Ninguém assumiu merda nenhuma. Nem o governo nem a
milícia Taleban, que promete sabotar o processo eleitoral afegão. E é difícil compreender
o que a morte de Anja pode representar politicamente para qualquer uma das
partes.
Já me surpreendi algumas vezes na tentativa de entender
porque somos, nós os jornalistas, tão odiados. Será pelo sentido de liberdade
que trazemos no espírito, pelo incômodo que provocamos ao demonstrar nossa
alegria na missão de promover a transformação do mundo, por acreditarmos ou
desacreditarmos em utopias, por sermos céticos em relação ao voluntarismo¿ Ou
será por termos o péssimo hábito de checar informações e derrubarmos castelos
de cartas montados em cima do nada¿
Ainda assim, foi gente como Martha Gellhorn, Ernest
Hemingway, George Orwell, John Steinback, Robert Capa, entre outros, que
documentaram a Guerra Civil Espanhola e o massacre que os fascistas impuseram
aos republicanos. Capa, aliás, como Anja, morreu em meio ao exercício do seu
mister: pisou em uma mina na Indochina.
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Umas das últimas fotos de Anja: violência no parque de diversões afegão |
Jornalistas não estão em busca da verdade. Estão em
busca dos fatos. Por isso incomodam tanto.
Afegãos e talebans, árabes e judeus, capitalistas e socialistas, tucanos
e petistas, todos tem em comum este ódio a uns pobres rapazes e moças que se
animam a missão de registrar o que aconteceu. Invariavelmente são pessoas que estão
longe de casa, quando tem casa. Peter Arnett não conseguia escrever se não
estivesse ao lado de uma garrafa de gin. Hemingway era um alcoolista incorrigível
(tinha até superado o alcoolismo). Orwell era viciado em anfetaminas. Todos
nós, invariavelmente, carregamos pequenos e grandes dramas. Não somos
super-homens.
Minha filha Bianca, felizmente hoje uma cientistas
social, foi confrontada com uma questão quando estava no fundamental: descreva
o que o seu pai faz. A criança inquieta e perspicaz que se transformaria na
mulher convicta e decidida, pensou um pouco e saiu-se com esta: “Meu pai é um
contador de histórias”.
Na essência é isto. Contamos como os fascistas de
Franco deram um golpe na República de Espanha, como os alemães ocuparam a
Europa, como os ingleses resistiram, como os franceses aderiram, como os
soviéticos ocuparam o leste europeu, como um grupo de barbudos derrubou uma
tirania assassina em Cuba, como os americanos financiaram e apoiaram as
ditaduras latino-americanas, como a ONU se omitiu nos sucessivos massacres
raciais na África, como o homem chegou na Lua e assim por diante. Histórias
maiores e histórias menores. Histórias de sonhos como os de Martim Luther King
e Nelson Mandela, de Roosevelt, Kennedy e Churchill.
Vai com Deus Anja. Nos encontraremos na grande redação do paraíso.
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