segunda-feira, 28 de abril de 2014

Melancolia portenha


Cinquenta anos de Mafalda.

Cem anos de Cortazar.

São marcas importantes no universo latino-americano.  Foram também a tônica chamativa da abertura da 40ª. Feira Internacional do Livro de Buenos Aires. Onde mais?

Quino o inventor da Mafalda continua afiado. Com um humor corrosivo até nos seus longos silêncios. Cortazar deixou para trás uma horda imensa de leitores que ainda não entenderam a Rayuela. E que certamente ainda imaginam que se trata apenas de um jogo infantil, onde as pessoas aos pulos buscam atingir o céu.

Nem a Mafalda acredita nisso.

Debrucei-me sobre um delírio cortazariano na manhã do último domingo. E, de repente, enquanto caminhava pela avenida Santa Fé, em busca de um café e de uma media-luna, fiquei imaginando como aquela magia, aquele surrealismo cotidiano se encontrariam hoje, não no rosto dos portenhos, mas na expressão universal da juventude.

Júlio Cortazar era capaz de escrever um conto sobre uma caixa de fósforos. Declamar seu amor por Maria Bethania ou por Glenda Jackson. Para a eternamente expressiva atriz britânica, ele dedicou um livro inteiro, Queremos tanto a Glenda. Um de seus últimos.

De um pequeno conto, escrito em 1959, Babas del Diablo, Antonioni criou em 1966 Blow Up, um dos maiores ícones cinematográficos da minha geração.


Julio Cortazar adorava cinema. E tinha um orgulho descomunal do que chamava “pequena contribuição” para Antonioni. Falsa modéstia portenha, sem dúvida.  Estranhamente, entretanto, embora em cada conto tivéssemos a quase representação de um filme, ele pouco ou quase nada escreveu ou viu seus escritos representados na telona.

Seu diretor predileto, como não podia deixar de ser, era Luís Buñuel. Quem mais para se aproximar do fantástico e do surreal?

Ainda vejo Cortazar nas ruas de Buenos Aires. Acho que no vento encanado da avenida Las Heras. Ou no brilho noturno dos paralelepípedos que ainda resistem em algumas travessas.

Cortazar compõe um triângulo na minha cabeça. Um lado é ele, o outro é Horacio Ferrer e o terceiro, é claro, é o maestro Astor Piazzola.

O humor quotidiano de Mafalda é a contemplação deste triângulo: Pare el mondo que yo quiero bajar.


As vezes me insufla uma sensação de satisfação de estar vivo. E de rever ainda que indiretamente personagens da minha formação. O mundo, por certo, mudou. Não era bem o que a minha geração imaginava. Não este mundo virtual, veloz e superficial. Mas, é sempre bom reencontrar aqueles que pensaram e ainda pensam uma forma diferente de existir.

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