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Carandiru: cenário de uma partida de futebol de várzea |
Nesta semana encontrei
dois velhos amigos para uma pizzeta na Moóca. Um deles, meu paisano Ciro, não
via há mais de 30 anos. O outro, Zé Carlos, tem sido mais presente. Nós três tínhamos
em comum na nossa adolescência a paixão pelo futebol, que praticávamos indistintamente
nos finais de semana, pelas quadras e pelos campos da várzea e durante a semana
em peladas fenomenais ou na tranquila rua dos Bancários ou na Leocádia Cintra
mesmo.
Uma das histórias que relembramos, foi quando o Valtão, mais velho que nós, professor de educação
física da rede estadual, e que era sempre o portador das novidades, veio com um
desafio curioso. Enfrentar uma equipe formada por detentos, evidentemente,
dentro dos muros do Carandiru.
Sequer cogitamos do
perigo. Fomos atrás do sebo bovino para passar nas chuteiras e deixa-las bem
macias. Passamos a semana em planejamento de jogadas.
No dia aprazado, um sábado
pela manhã. Todos nós fomos identificados na portaria do presídio e encaminhados
a um vestiário, bem arrumado, com chuveiros, armários, etc...
Quando saímos a campo, nossos
adversários já tocavam a bola. A audiência, em sua maioria, estava pendurada
nas janelas gradeadas do pavilhão. O campo era de areia, mas dura, nada demais
para quem conseguia controlar o balão no paralelepípedo.
O jogo transcorreu mais ou
menos como imaginávamos e como planejamos a semana toda. Nós evitávamos os
contatos físicos. No máximo dois toques na bola. A exceção era nosso
ponta-direita, justamente o Zé Carlos, que aprecia endiabrado: era bola no meio
das pernas, drible da vaca, cortes fenomenais que deixavam os zagueiros
adversários no chão.
Estava tão endiabrado que
quando o juiz apitou o fim do primeiro tempo, vencíamos por inimagináveis dois
a zero, dois gols e dezenas de jogadas dele. Caminhávamos para o vestiário
quando o Zé Carlos ouviu um burburinho vindo das paredes. “Se não matar este 7,
nós vamos perder o jogo. Este cara não pode sair vivo daqui”.
Time de várzea tem onze
camisas. O substituto entra sempre em campo com a camisa suada do titular. Zé
Carlos chegou no vestiário passando mal. Não disse uma palavra, mas garantiu
que não tinha condições de voltar a campo.
Manuel Francisco entrou no
seu lugar.
Ao final do jogo, perdemos
por 3 a 2. Manuel Francisco sem saber a razão, apanhou para valer. Ficou meses
manquitolando, com as costelas doloridas e o olho inchado. Nunca soube por que.