domingo, 26 de junho de 2011

Dormindo, deixe-nos dormindo!

Lancaster como príncipe de Salinas: mudar para tudo ficar como está



A despeito do estereótipo reconhecido em todo o mundo, os italianos são reconhecidos em qualquer parte do mundo por sinais muito claros: a expansividade, a franqueza, o jeito irreverente e a notável capacidade de não se levar a sério.
O cinema mostrou muitos estereótipos. Mastroianni, Gasmann, Nino Manfredi, Aldo Fabrizi, a lista é infindável. Mas, engana-se quem acha que os italianos são todos iguais. Que a irreverência romana e a mesma na Liguria ou no Piemonte. Que um veneto é igual a um toscano. E nessa cornocópia de personalidades, de modos de comportamento, preciso falar especificamente do mais enigmático, o de nós sicilianos.
E, curiosamente, foi um ator americano, Burt Lancaster, vivendo um personagem criado por Tomaso di Lampeduza, quem definiu perfeitamente o espírito siciliano. Lancaster vive o príncipe de Salinas, representante da velha ordem política, que recebe um emissário do rei Vittorio Emanuelle, com a proposta de nomeá-lo senador da nova ordem, da Itália unificada.
O príncipe de Salinas recebe o emissário em seu palácio e responde à proposta de Turim: “Desculpe. Mas, é melhor não. Agradeço o convite. Mas, nós sicilianos estamos dormindo e é melhor que continuemos assim”.
Lampedusa, ele também siciliano, é o autor do clássico político Il Gattopardo. É dele, quer dizer do príncipe de Salinas, a célebre afirmação de que as coisas devem mudar, para tudo continuar exatamente do jeito que está.
Sicilianos nunca são verdadeiramente o que aparentam. Aprenderam com o tempo. Certamente foi o território europeu mais ocupado ao longo de toda a história. Por isso mesmo, temos sinais árabes, celtas, romanos, normandos e gregos. Somos generosos, sábios e contemplativos. Nossas cidades, Messina e Taormina, por exemplo, são mais antigas que a própria Roma. Nossa civilização também. Mas, estamos sempre dormindo, aparentemente dormindo. Acordados, tanto podemos construir ou destruir.  
E tome estereótipos clássicos como De Niro ou Brando como gangasters, ou Giancarlo Giannini como Pasqualino Sette Belleza ou Mimi, o metalúrgico. Mas, há também os heróis como Salvatore Giuliano ou o Tancredi, lugar tenente de Garibaldi.
Giannini como Pasqualino: poder de construir ou destruir
Toda esta introdução apenas para dizer que conheci neste domingo um singelo, mas eficiente restaurante siciliano, em Brasilia. Parece inacreditável. Mas, o restaurante, na verdade uma trattoria, batizada Mediterrâneo, está lá na 408 Norte. O proprietário atende pelo nome de Luca, ainda que seja Gianluca, e se divide na atenção as mesas e o comando da cozinha.
Sua estratégia é bastante singela. Meia dúzia de pratos clássicos italianos, do tipo Amatriciana, Carbonara, Putanesca etc... para os menos exigentes, e uma série de iguarias sicilianas que ele importa diretamente, como ovas de atum, orégano, prosciutto,  queijos mascarpone ou grana padano. De quebra algumas receitas mágicas como a Zuppa de Pesce ou o Peixe Espada, em posta, com pesto siciliano; camarões crocantes, mexilhões cozidos no ponto certo, vegetais  frescos.
Enquanto saboreava estas  iguarias na tarde deste domingo e conversava com o Luca no nosso idioma, contemplava a força da cultura, do sangue rubro que circulava nas nossas veias e que espero esteja presente também nas nossas proles. Podemos estar machucados, feridos, traídos ou magoados. Mas, por favor, nos deixe dormir. É melhor assim. Acordados seremos sempre acometidos do imponderável.

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