sábado, 2 de julho de 2011

Quando os sinos dobraram pela última vez

Cenário cubano para O Velho e o Mar: inspiração máxima de Hemngway



Cinquenta anos, exatamente hoje, da morte de um dos personagens mais atraentes e invejados no século XX: Ernest Hemingway. Um deus na arte de juntar palavras, prêmio Pullitzer em 1953 e Nobel de Literatura em 1954. Jornalista e aventureiro  viveu entre os grandes com humildade e respeito, tornou-se ele também um dos maiores. Certamente o principal expoente da geração perdida.
O que mais me fascina em Hemingway é o desprendimento. Amou e foi amado. Compreendeu e nem sempre foi compreendido. Era obcecado pelo gosto da romã. Era expansivo, exagerado, mas tornava-se cirúrgico quando empunhava a velha Remington.
Aos 18 anos, mal havia acabado o ensino médio, Ernest largou a sua Oak Park (Illinois-USA) natal e tentou ingressar nas forcas expedicionárias americanas que aderiram a I Guerra Mundial. Não passou no teste oftálmico e tornou-se motorista de ambulância da Cruz Vermelha no front italiano do Friulli. Apaixonou-se perdidamente por Agnes von Kurowsky e testemunhou a famosa retirada de Trieste, o violento contra-ataque austríaco, do qual o meu pai também participou.
Oak Park não lhe cabia mais depois da experiência na Itália. Em 1929 escreveu Adeus as Armas, um romance doce, maravilhoso. Agnes transformou-se na enfermeira inglesa Catherine Barkley, até onde me lembro ele foi vivida por Jennifer Jones, Ava Gardner (como lembrança em As Neves do Kilimanjaro) e pela meiga Helen Hayes.

Hemingway na Espanha: lutou não só com as palavras


Mas, Hemingway iria se apaixonar mais pela Espanha do que pela Itália. Se entusiasmou tanto com as touradas que se tornou um toureiro amador, em Pamplona, de onde extraiu O Sol Também se Levanta (1926). Esta paixão iria leva-lo ao entusiasmo incontido com a Guerra Civil em 1937. Como correspondente da North American Newspaper Alliance juntou-se as forças republicanas e lutou não só com as palavras. Esta experiência resultou num romance maravilhoso Por quem os Sinos Dobram, cuja versão cinematográfica traz a estonteante Ingrid Bergmann no papel da jovem Maria.
As mulheres são arquétipos fundamentais na vida de Hemingway ( dele também viu Lúcia Helena?). O primeiro casamento em 1921 com Elizabeth Richardson o levou a Paris nos estertores da Belle Epoque, onde ele se tornou amigo de Ezra Pound, Scott Fitzgerald e Gertrude Stein e se integrou ao frisson cultural europeu do pós-guerra. Era correspondente do Toronto Star Weekly.
De volta aos Estados Unidos casou-se de novo com Pauline Pfeiffer, uma importante jornalista de moda, com quem se instalou na pacata e paradisíaca Key West, na Flórida. Claro que não havia como dar certo.
Nos anos 30, mudou-se para Havana onde viveu por 23 anos em um apartamento do Hotel Ambos os Mundos, em Havana La Vieja (o bairro histórico da capital cubana). Totalmente preservado, tive o prazer de conhecer o apartamento em 2005, quando estive por lá. Arrepiante, até porque vi a velha Remington e a janela por onde ele divagava e de onde ele viu O Velho e o Mar, na minha opinião o melhor de seus romances.  No cinema, serviu de papel para o grande Spencer Tracy, seguramente na sua maior performance.
Em Havana, Hemingway apaixonou-se por Jane Mason, esposa do diretor de operações de Pan American, tornaram-se amantes. Além disso, empreendeu uma viagem etílica de respeito. A ele se deve a consagração de coquetéis famosos como o Mojito e o Daiquiri.

Destemida: Martha Gelhorn engajou Hemingway na Guerra Civil



Em 1936, a paixão por Jane arrefeceu quando ele conheceu a destemida jornalista Martha Gelhorn, com quem partilhou a cobertura da Guerra Civil na Espanha e com quem voltou para Cuba, em 1939, quando a Europa se preparava para a desgraça da Segunda Guerra Mundial.
Em 1946, Hemingway finalmente conheceu aquela que iria funcionar como um anjo na sua vida. A também jornalista Mary Welsh, que conseguiu compreender a essência de sua existência e ficou com ele até o desfecho final. Naquele desgraçado  2 de julho de 1961, quando ele atirou contra a própria cabeça com um rifle de caça.
Para não terminar este post assim tão para baixo, vale a pena lembrar um episódio que ocorreu no Maxim’s em Paris, nos anos 20, que ele gostava muito de contar. Estavam todos reunidos bebendo e comendo do bom e do melhor, quando finalmente chegou a conta e os valores transcendiam qualquer possibilidade de pagamento. Foi uma confusão danada e um enorme exercício de imaginação para sair da enrascada, quando o maitre retornou e acalmou a todos dizendo que “aquele” senhor havia pago a despesa. Na verdade, era Pablo Picasso. Ele divertiu-se muito com o sofrimento dos jovens. Desenhou alguma coisa no guardanapo e deu para o maitre, que ainda argumentou:
- O senhor não vai assinar?
- Não. Quero apenas pagar a conta dos rapazes, não comprar o estabelecimento.
Ernest Hemingway é um homem que viveu com intensidade a sua vida. Sofreu por amor. Vibrou por amor. Engajou-se nas causas justas. Merece a admiração de todos. 

2 comentários:

  1. Nu:

    Excelente texto!

    Aguardo ansiosamente o post "Aniversario da Macarronada"!

    Abraços do Tri-Campeão!

    Seu filho, Marcelo.

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  2. Eu adorei conhecer um pouco mais dele pelos seus olhos professor! Adorei!

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