sábado, 4 de fevereiro de 2012

90 anos de uma genial bofetada




A tela "Abaporu", que Tarsila deu a Oswald: aquele que come



Considero o caderno Prosa&Verso, que O Globo publica aos sábados, de longe o melhor caderno sobre cultura. Hoje, ele se supera ao celebrar a efeméride mágica de 90 anos da Semana de Arte Moderna, de São Paulo. Instigante, bem apresentado, conteudista, uma delícia. As vezes a gente encontra prazer na vida em coisas tão singelas. É sinal que sempre há luz no final do túnel. Ainda bem.

Por conta da famosa Semana de Arte Moderna, nós, os brasileiros, deveríamos aproveitar a data para refletir um pouco mais nesta feijoada humana que nos transformamos. Mário de Andrade tinha e tem razão.

Diria mais, ufanismo a parte, que o apelo lançado no Teatro Municipal de São Paulo, quase um século atrás, era muito mais um grito de desespero para que enfim olhássemos nas nossas entranhas do que um manifesto intelectual. Claro que não atendemos.

O modernismo é ainda criticado pela estética desconcertante e pela ousadia. Como afinal estes pirralhos tiveram a coragem de propor um rompimento com o belo , com o estabelecido, e defender a realidade e o borrão? Como assim, agredir o público com uma bofetada de negros, índios e trabalhadores amontoados?

Os "malucos" de 22; diferentes entre si, mas focados num só objetivo




Concordo plenamente com a crítica de Guilherme Freitas. Faltou-nos (como de resto nos falta ainda hoje) uma conexão latino americana. O correspondente modernista argentino, na mesma época, era o então jovem Jorge Luis Borges, que iniciava a busca pela identidade portenha e publicava seu quase sussurro nas páginas da solar revista “Martin Fierro” .

Também poderíamos ter olhado sem medo para o Modernismo Português, onde Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro desde 1915, com o lançamento da revista “Orpheu” , defendiam questões análogas, ainda que as condições sociopolíticas fossem semelhantes, ou seja, crises das oligarquias, urbanização acelerada e progresso industrial.

Mas, isso não é importante. O que valeu é que aqueles “malucos” , heterogêneos no pensamento, na forma, na ideologia, inquietos nas diferenças, lançaram um apelo pela nossa identidade cultural. E, como só e acontecer, ficaram com a brocha na mão.

Oswald de Andrade: devorador de conflitos e de contradições


Geração iluminada de Mário e Oswald, de Tarsila e Anita, de Lobato e Villa, de Menotti e de Graça Aranha, de Manoel Bandeira e Di Cavalcanti. José Castello tem razão ao eleger, quase que espontaneamente, Oswald de Andrade como a síntese de tudo. Não foi a toa que Tarsila o presenteou com a célebre tela “Abaporu” (em tupi-guarani, aquele que come). Devorador intenso dos conflitos e das contradições da primeira metade do século XX, ele possuía o espírito inquieto da mudança, o espírito da rebeldia e da inconformidade.  E manteve-se até o fim de sua vida, aos 64 anos, em 1954, fiel a si mesmo.

Entre os dias 15 e 26 de fevereiro ( a semana original foi de 13 a 17) não faltarão atividades artísticas e um enorme bla-bla-bla sobre a Semana de Arte Moderna de 22. Se o Carnaval deixar, está aí uma ótima oportunidade para refletir sobre um dos poucos movimentos brasileiros de vanguarda mesmo e tentar entender o que aqueles jovens disseram e que, na minha opinião, até hoje, não foi absorvido.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário