sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Um engodo punk? Ou a genialidade de uma escritora marginal


J T Leroy (Savannah) e Laura Albert: os personagens verdadeiros do engodo

 Débora Duboc, Natália Lage, Nina Morena, Hossen Minussi e Roberto Souza,








Nunca tinha ouvido falar em J T Leroy. Nem em Laura Albert, nem mesmo em Ásia Argento. Por isso mesmo, a peça de Luciana Pessanha, que estreou esta semana no CCBB, em Brasília, tinha uma característica de novidade, misto de ficção e realidade, capaz de confrontar o cinismo do jet set internacional, os tais olimpianos de 15 minutos de fama, coma perplexidade dos semi-famosos.

A história real --- Laura Albert, no ano 2.000, na época com 40 anos, era uma entre tantas criaturas que se encontrava em um dos desvios da vida. Uma cantora de banda punk da marginália de Nova York, que vivia com um vendedor de filtros de água, guitarrista frustrado, e ganhava a vida com uns trocados interpretando personagens fantasiosos em um serviço de sex-phone. Um belo dia teve a idéia de escrever uma falsa biografia, inventando uma história como se fosse a sua própria, mas assinando com o nome de J T Leroy. l

A história ficcional -- Um destes personagens da vida underground, era um garoto abandonado ao nascer pela mãe, depois afastado dos pais adotivos pela própria genitora. Abusado aos cinco anos pelo namorado da mãe, ele passou a viver na promiscuidade com motoristas de caminhão. Prostitui-se e prostituiu a própria alma. Desceu ao mundo das drogas e, em bom português, foi até a mais funda sarjeta. 

Para ganhar mais veracidade e digamos tornar a história mais palatável ao voyeurismo do mundo midiático, Laura convenceu sua cunhada, uma costureira chamada Savannah, a assumir a personalidade e os trejeitos do garoto-escritor-gênio precoce J T Leroy, de 20 anos. Ela lançou dois livros, o romance "Sarah" (nome da mãe de J T), cujos direitos direitos autorais foram vendidos por parcos US$ 120 mil e um conjunto de contos, "Maldito Coração", que virou filme nas mãos da modelo-atriz italiana Asia Argento. 

Os livros fazem um sucesso tremendo, foram traduzidos em 34 línguas e atraíram a atenção do mundo midiático, de escritores conhecidos como Dennis Cooper e artistas como Andy Warhol, Gus Vans Sant e Madonna. Até na festa literária de Paraty J T Leroy foi aclamado em 2005. 

J T Leroy foi um destes sucessos de mídia flamante, veloz, como rastilho de pólvora. Virou cinema com Ásia Argento (nunca ouvi falar neste filme). Mas, a farsa foi descoberta por um jornalista do New York Times e tudo correu esgoto abaixo. Laura foi processada por falsidade ideológica, entre outras coisas, e todo mundo voltou para a garagem suja da banda funk.

A peça --- Luciana Pessanha é jornalista. E como tal quase levou Paulo José, o diretor, à loucura, tal o volume de informações que apresentou. As três atrizes, Débora Duboc (Laura), Nathalia Lage (JT e Savannah) e Nina Morena (a mãe, Ásia e o juiz) dão um show e conseguem fazer com que uma história linear de um embuste punk leve a audiência à reflexão. Afinal, qual foi o crime de Laura? Ter dado vida a um personagem fictício? Que vantagens ela levou? Quem ela enganou?

Débora Duboc é uma atriz pirandelliana. Tem a capacidade notável de falar com a alma e uma presença de palco impressionante. Quem a viu em Pirandello, Dario Fo, ou no cinema em Cabra Cega ou Estamos Juntos, dirigida pelo maridão Toni Venturi, sabe que se trata de uma atriz que mergulha de maneira impressionante no personagem que interpreta. Tem a marca das grandes atrizes brasileiras. 

Mesmo sem conhecer Laura Albert, tenho certeza que a personagem ficcional de Débora é muito melhor que a verdadeira criadora de J T Leroy. Nathalia faz um J T no tamanho exato da criação do personagem; confuso, inseguro e andrógino. E Nina mostra uma extraordinária versatilidade compondo com perfeição o trio.

É uma grande peça? Não. É uma montagem imperdível? Também não. Mas, vale a pena pela direção de cena, pelo esforço dramático das três atrizes e por uma inquietante conclusão: o mundo do show business, dos famosos e dos semi-famosos é muito mais cínico e não gosta de se ver no espelho, principalmente quando uma atriz de sex-phone transforma uma costureira de um subúrbio de São Francisco em um ícone da geração pós punk do começo do século.

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