sábado, 7 de abril de 2012

Comando e auto-afirmação


Tatcher: final solitário e demente. Um retrato na parede


Reza a lenda que o mitológico maestro Arturo Toscanini tinha uma relação de amor e ódio com os músicos capaz de tornar seus ensaios verdadeiras tertúlias. Aliás, o célebre maestro italiano praticava as vezes por 12 ou 16 horas contínuas. Exigia perfeição do spalla ao triângulo e repetia, repetia, repetia, até que seus ouvidos dessem conformidade ao som emitido.

Maestros de uma maneira geral são seres complicados. Vivem diante de um dilema cruel: exigir a perfeição de um grupo de 40, 80, 120 ou mais músicos. Precisam convencer a todos da sua forma de ler a partitura do compositor e precisam de muita clareza, muito domínio da comunicação para se fazerem entender.

Toscanini era um gigante. Sir Thomas Beecham também. Mas, o inglês era adepto de outro estilo, mais afeito a camaradagem. Minucioso preferia conversar com o naipe todo, ou com um músico em especial, invariavelmente atingia resultados impressionantes.

Qualquer estudante do comportamento humano sentenciará que o problema todo está na auto-afirmação do líder. E vamos combinar que Toscanini não precisava disso, nem Beecham. Mas, o italiano gostava de provocar terror nos músicos, parecia se divertir com isso. E o britânico, ao contrário, curtia muito a popularidade que granjeava entre as estantes.

Esta contraposição entre comportamentos de líderes me assaltou na noite de ontem depois de assistir a Dama de Ferro, o filme que conta a história da ex-primeira ministra britânica, Margareth Tatcher.

Não gosto do personagem. Não gosto da história que ela protagonizou. E não entendi porque diabos fizeram um filme sobre ela. Ainda que Meryl Streep seja, seguramente, a maior atriz contemporânea, e tenha ganhado o Oscar deste ano, não estava nos meus planos engordar a bilheteria de uma produção destas.

O filme, entretanto, me surpreendeu. Muito bem feito, mostra como uma filha única de um dono de um armazém, conservador e reacionário, chegou a 10, Downing Street, com um diploma de Oxford e desmonta por completo o aparato social britânico, gera desemprego, fome e desespero.

A diretora Phyllida Lloyd nos apresenta uma Tatcher arrogante e prepotente. Obcecada por se afirmar como mulher em um ambiente predominantemente masculino. Mais que isso, uma “nerd” pronta para tirar a diferença de suas contemporâneas, mais mundanas, enquanto ela se atracava no armazém do pai e na carreira em Oxford.

Tatcher é mostrada, depois de deixar o governo, demente, solitária, animada apenas por reuniões com amigos fúteis e com problemas de relacionamento com os filhos. Um retrato frio e sem graça nas paredes de 10, Downing Street. A única exceção é o marido Denis, maravilhosamente interpretado por Jim Broadment.

Ao longo de 40 anos de carreira, trabalhei com geniosos geniais, geniais não tão geniosos e geniosos, apenas geniosos que não tinham nenhum risco de genialidade. Quem me conhece sabe que eu não sou lá muito fácil. Aliás, o Roberto Stuckert, o pai, certa vez me disse que eu sou “malvado”.

Nem tanto. O folclore registra alguns casos, rigorosamente verdadeiros. Um deles, o mais engraçado, é da estagiária que tropeça comigo quando eu chegava para trabalhar. Naquela manhã me assaltara a vontade de delegar-lhe uma missão, que eu confesso não me lembro qual era. O certo é que eu cumprimentei-a com a frase:

- Oi, você não vai embora hoje sem falar comigo, ta?

A menina passou um dia de horror, sob uma tensão tão grande, que acabou vítima de uma tremenda hemorragia menstrual.

Normalmente a incapacidade ou dificuldade de realizar uma tarefa não me incomoda. Chamo aqui o testemunho de tantos e quantos que trabalharam comigo e que conviveram com a maior camaradagem. Quantas vezes eu não fiquei horas e horas refazendo trabalhos e mostrando como eu queria que fossem feitos.

Entretanto, não tolero a tentativa de golpe. Não suporto a enganação. E se há uma coisa que me provoca a síndrome de Toscanini, é a esperteza, o se aproveitar de um colega, a falta de envolvimento com o trabalho.

Há muitos que me perguntam o que mudou do governo Lula para o governo Dilma tenho respondido: mudou o clima e a qualidade das relações. Há agora uma tensão sempre presente. 

É verdade que entre Dilma e Tatcher há o Grand Canyon Colorado e um abismo do tamanho do Oceano Atlântico. O governo brasileiro não tem nenhum ponto de contato com o monetarismo e o ultra-liberalismo da Dama de Ferro. Mas, estas diferenças também poderiam se aplicar na relação com as pessoas que se dedicam com afinco a trabalhar para o Estado. Teríamos muito a ganhar. Como dizia o grande Guevara: “Hay que endurecer sin perder la ternura jamas!”. 

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