sábado, 14 de maio de 2011

A norma culta e a comissão da verdade

Mao Tse Tung: estadista, onanista ou executor de milhares de opositores?

Longe de mim a pretensão de usar este modesto blog como veículo de defesa de uma política pública importante como a do livro didático. Na verdade, me dispus a escrever apenas como ilustração e por conta da provocação que me fez o amigo e companheiro Marco Aurélio Nunes Pereira, jornalista e comunicador competente, parceiro de mais de 30 anos.
Então, em primeiro lugar, é preciso que fique claro que o Programa Nacional do Livro Didático possui uma engenharia criativa que impede qualquer ingerência política ou doutrinária. Os livros são apresentados ao FNDE, respondendo a um edital, e apresentados sem qualquer sinal que identifique o autor ou a editora. Desta forma, são encaminhados a uma comissão de professores da área, nomeados por uma universidade pública, que também se apresenta voluntariamente para a análise do conteúdo.
Depois de analisado pela comissão, o livro retorna com um parecer técnico. Aprovado é encaminhado ao IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas para ser chancelado quanto a durabilidade e resistência. Depois disso, figura em um catálogo distribuído para as escolas públicas, onde os professores selecionam entre as diversas opções por matéria, o livro que será distribuído a seus alunos.
Como se vê, é impossível haver qualquer ingerência com autores ou editores, ou ainda favorecimentos para esta ou aquela obra.
Frequentemente somos confrontados no Ministério da Educação com a inconformidade, notadamente de alguns pais e outras de colegas jornalistas, com o conteúdo expresso nestes livros. Uma das mais notáveis foi a implicância com um professor de história de Niterói, que definira Mao Tse Tung como estadista. Outra mais recente propunha a comparação entre a exibição dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, que tirou do sério muita gente graúda, como o senador amazonense, perdão, ex-senador Arthur Virgílio, que chegou a acusar o ministério de fascista, entre outras bobagens. Na mídia eletrônica de ontem e na impressa de hoje ganhou espaço uma discussão, diria até salutar, envolvendo o confronto entre a língua falada e a língua escrita, entre norma culta e vulgar, por conta de um livro de EJA (Educação de Jovens e Adultos) maravilhosamente escrito pela professora Heloísa Ramos.
Às vezes tenho a impressão que alguns coleguinhas e outros acadêmicos gostariam que o Ministério da Educação se transforma-se no Ministério da Verdade, nos moldes daquele que o genialíssimo George Orwell, um dos maiores jornalistas do século XX, criou no seu romance de ficção política 1984. Gostariam que tivéssemos o poder de veto para dizer isso pode ou isso não pode.
Imaginam uma portaria ministerial com os seguintes dizeres: O ministro da Educação com base na portaria XPTO, amparada na lei K230, decide: Mao Tse Tung não pode figurar nos livros didáticos como estadista. O personagem, embora tenha liderado uma das maiores revoluções da história da humanidade e enfrentado uma guerra mundial, tinha dez concubinas e a ele se atribui o extermínio de milhões de opositores. Revoguem-se as disposições em contrário.
Ou outra ainda melhor: As citações correspondentes aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, devem ser precedidas de uma análise obrigatória de 20 linhas, nem mais nem menos, respectivamente sobre a compra dos votos dos deputados e senadores que permitiram a emenda constitucional da reeleição e ao episódio político conhecido como “mensalão”, nos termos do processo que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal.

Boris Fausto: os avanços do estado getulista 
Ora, a história é viva. Podemos discutir Heródoto até hoje. Todos os episódios da humanidade, da descoberta do fogo até a célebre aventura de Neil Armstrong na lua. No notável documentário em três partes de Eduardo Escorel, chamado a “Era Vargas”, disponível nas boas livrarias, o diretor contrapõe a visão história do período getulista na análise de dois monstros do pensamento brasileiro: de um lado o historiador Bóris Fausto, de outro o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro. O primeiro define o período que se seguiu a revolução de outubro de 1930, como o de organização do estado, de avanço social, etc... O segundo prefere ressaltar o caráter autoritário da ditadura getulista e o tutorialismo imposto na máquina sindical.
Como ficamos? Qual dos dois pensadores a Comissão da Verdade deve banir?
A discussão sobre o livro “Escrever é Diferente de Falar”, por sua vez, é fascinante. Trata-se de um livro de EJA (Educação de Jovens e Adultos), ou seja,  para estudantes que por alguma razão perderam o ciclo natural na escola, estão fora de idade, já tem uma formação na vida. E é claro que estas pessoas falam errado.

Paulo Sérgio Pinheiro: o autoritarismo da era Vargas
Ninguém está ensinando português errado. “Cabe à escola ensinar as convenções ortográficas e as características da variedade linguística de prestígio”, explica a professora Heloísa Ramos. “Se um indivíduo vai para a escola, é porque busca ascensão social. E isso demanda da escola que lhe ensine novas formas de pensar, agir e falar”, pondera o linguista Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras.
A língua e a história estão vivas. No século XXI o português falado no Brasil é muito diferente daquele falado nos anos 90. O debate e o confronto da língua falada e da língua escrita, da norma culta e da norma vulgar, são fascinantes! Isso não dá o direito, entretanto, de discriminar um aluno de EJA porque ele comete erros de concordância ao se expressar. Até porque, com erros ou não, ele se comunica. É preciso ensina-lo. E é justamente o que a professora Heloisa Ramos se propõe no seu livro.


With Dady and Mammy standin by

Alguém poderia me dizer em que língua está escrito o texto a seguir:

Summertime and the livin is easy. Fish are jumpin, and the cottom is high. Oh yo daddy’s rich, and yo ma is good lookin. So hush little baby, don yo cry. One of these mornin’s you goin to rise up singin. Then you’ll spread yo wings an you’ll take the sky. But till that morning, there’s-a-nothin can harm you. With Daddy and Mammy standin by.

Cuidado! Se você acha que a Comissão da Verdade deveria banir estes versos, porque mal escritos, ainda que em inglês, saiba que se trata de uma das canções mais belas do cancioneiro americano, criada pelo talento inegável de Ira Gershwin e DuBose Heyward para a ópera Porgy and Bess, de George Gershwin. Uma das jóias da criação humana.

3 comentários:

  1. Pois é, aí a criança escreve de forma, digamos assim, equivocada, graças justamente a esse tipo de educação que recebeu, tira uma nota sofrível em uma prova, e os defensores dessa senhora vão dizer o quê?

    Quero ver alguém que escreve "os livro" passando em algum concurso público. Pô, cada malabarismo que se faz para defender esse governo!!!

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  2. Peruibense rebelde: obrigado pela audiência. Note que se trata de um livro de EJA, ou seja, para estudantes que já estão fora do ciclo normal da educação regular. E mais, ninguém se dispôs a ensinar errado. Trata-se apenas, segundo a professora Heloísa Ramos, de reconhecer a forma popular de falar, alertando para os riscos, inclusive, de preconceito linguístico. O que eu ponderei é que este debate deveria estar na academia e não ser politizado. Honestamente não há nenhum malabarismo para defender este governo. Não se trata disso.

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