quarta-feira, 18 de maio de 2011

Por conta de um debate inócuo




É inacreditável o furor jornalístico contra o Ministério da Educação e a tentativa orquestrada de tentar fazer crer a opinião pública que tudo que se perpetra em seu interior é marcado por desmando, descontrole ou desconhecimento. Não bastasse as tentativas de se atribuir responsabilidade ao Governo Federal por desvios perpetrados com a merenda escolar por administrações municipais e eventuais irregularidades ou crimes de falsidade ideológica contra o Prouni agora se acusa o MEC de tentar revogar a norma culta da língua portuguesa.
O limite da sanidade é violentado por interpretações segundo as quais o Ministério da Educação ao se recusar a recolher um livro de Língua Portuguesa destinado a alunos de EJA estaria incitando a luta de classes, ou tratando as classes menos abastadas com paternalismo e demagogia. O mais grave é que a maioria dos jornalistas perpetrou suas críticas sem saber do que estava falando, sem ter lido o livro ou sequer ter se aprofundado no assunto. Instalaram uma polêmica sensacionalista baseados apenas no que ouviram dizer de outros jornalistas mal informados.  
As críticas atingem o ápice da virulência. Chegaram a propor uma faxina no ministério e a instalação de uma comissão de notáveis para analisar os conteúdos dos livros didáticos. Isso tudo por que a professora Heloísa Ramos em um capítulo de 30 linhas dentro de uma obra de quatro volumes com 107 páginas cada uma, “Viver, Aprender”, da Ação Educativa, qualificou a língua falada como inapropriada e alertou para os riscos de um preconceito lingüístico, para quem cometer a imprudência de não se expressar pela norma culta. O que a imprensa não revelou é que a professora, logo a seguir, propõe aos alunos que se exercitem escrevendo a forma culta para frases do cotidiano. Onde está a impropriedade?
Clique aqui para ver a íntegra do capítulo em discussão.
Deveria ter se instalado um debate muito mais abrangente. Afinal, quais são os principais fatores que provocam a fuga da norma culta do idioma, por que existem vários padrões de linguagem. Esta discussão foi, inclusive, objeto de uma exposição muito concorrida no Museu de Língua Portuguesa, em São Paulo, há dois anos, chamada “Menas”.
Clique aqui para ler o texto de apresentação nda exposição.
E para os mais puristas, como o senador Paulo Bauer (PMDB-SC) que chegou a dizer que José de Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, entre outros, estariam desconfortáveis em suas tumbas pelo debate estabelecido, convém esclarecê-lo que Mario e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato, e todos os modernistas, devem estar se divertindo. Afinal foi da ousadia deles que surgiu a verdadeira reforma ortográfica da Língua Portuguesa, em 1936, quando o pronome Vossa Mercê, transformou-se no singelo você, por força do hábito da linguagem falada.
Mas, as barbaridades que se perpetraram no afã de acuar as autoridades educacionais chegaram ao absurdo de Defensores Públicos e membros do Ministério Público, que em busca dos seus cinco minutos de fama, ameaçaram o MEC com ações em defesa do modo certo de se ensinar a língua ou em defesa de estudantes que se valerem da forma falada na redação do Enem.
O delírio não tem mesmo limites. Ou por outra, os limites das manifestações políticas transcendem o delírio e a barbaridade. E o alvo agora é o PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, definido pelo decreto presidencial 7.084 de 27 de janeiro de 2010. Depois de dois anos em audiência pública e após intensos debates com a sociedade, chegou-se a uma fórmula capaz de tornar a escolha dos livros e dos conteúdos didáticos totalmente impessoal e apolítica, a partir da seleção por parte dos conselhos de conteúdo das editoras, a avaliação de uma comissão de pareceristas de uma universidade pública e da escolha livre por parte de professores e gestores das escolas para quem, afinal, o livro se destina.
Ainda que saudado unanimemente no parlamento como um avanço, o decreto agora é qualificado como liberal demais, por alguns senadores. Talvez porque alguns livros de história tenham abordado e analisado os governos do presidente Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva de forma pouco política. É bem verdade que o senador Cristóvão Buarque poderia ter se poupado: “História antiga se ensina. História atual se debate”. Mas, daí a se impor que o MEC recolha os livros que eventualmente uma comissão de notáveis julgue conveniente ou inconveniente, vai uma longa distância.
Na mesma linha, insiste o jornal O Globo, agora em editorial, na defesa da segregação de estudantes com deficiência auditiva e visual e contra a inserção destes alunos na rede oficial e regular da educação pública. Talvez o debate sobre este tema, como de resto o do confronto da linguagem oral com a norma escrita, merecesse um fórum mais adequado. Afinal, ninguém se considera dono de verdade nenhuma.
O problema é que no Brasil de hoje busca-se o sensacionalismo, a audiência, a qualquer preço. Por isso mesmo, temas tão interessantes são politizados e discutidos sem a menor profundidade. O país precisa aprimorar a Educação, precisa atingir os objetivos propostos de alcançar o mesmo nível de aprendizado dos países desenvolvidos. Precisa acabar com gargalos históricos como os do ensino médio. Resolver problemas aparentemente insolúveis como a formação adequada e a condução de professores para as salas de aulas. Aumentar e muito o número de vagas no ensino superior e no ensino técnico-profissionalizante, entre outras questões. Mas, isso ninguém quer discutir. Preferem mesmo pedir a cabeça do ministro por conta da utilização de um adjetivo em um livro de EJA.  

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