segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sus ojos se cerraron y el mundo sigue andando


Aitana Sánchez, a Juanita: criou um Gardel para ela e ficou com o verdadeiro

Depois de uma ansiedade enorme finalmente consegui assistir a uma cópia em DVD do filme argentino-espanhol de Jaime Chávarri, Sus Ojos se Cerraron y El Mundo Sigue Andando, de 1997, com a bela atriz ibérica Aitana Sánchez-Gijón e um surpreendente Darío Grandinetti.
O filme tornou-se uma obsessão porque o João Bittar, meu irmão, a quem esta semana não pude dar a menor atenção (ainda que estivesse trabalhando na sala ao lado da minha) havia me relatado o primor do roteiro original escrito por Óscar Plasencia e Raúl Brambilla.
Dizer que os roteiristas argentinos são brilhantes e que o cinema portenho é maravilhosamente bem escrito é chover no molhado. Na verdade, este é o pulo do gato, o diferencial que faz os “hermanos” com pouco dinheiro se sobressaírem tanto no mercado audiovisual. Mas, este Sus Ojos se Cerraron... transcende a qualquer expectativa.
É uma desgraça que o filme não tenha sido exibido nas salas brasileiras. Se o foi, ficou tão escondido, que certamente não molestou a grandeza dos cineastas patrícios, tão ciosos de suas competências.
A história é contada por uma imigrante espanhola, que vive no bairro da Boca, em Buenos Aires, em 1933, e que, como todo o resto do país, é apaixonada por Carlos Gardel. A paixão é tanta que ela transforma o amante, um mundano ser portenho, cantor de arrabalde, sósia perfeita do famoso, no seu Gardel particular.

Duo perfeito: Gardel com seu letrista brasileiro Alfredo Le Pera

A história se desenvolve em um crescendo portentoso, até que o sósia, Renzo Franchi, se encontra em Medellín, pronto para substituir o verdadeiro Gardel, que havia abandonado a turnê colombiana.
Franchi leva a audiência em Bogotá à loucura e é instado pelos empresários a repetir o feito em Cali. No translado, o avião, como todos sabem, se choca com outro na própria pista. E Gardel/Franchi morre junto com o brasileiro Alfredo Le Pera, letrista dos tangos imortais, e dos músicos que os acompanhavam.
Gardel, o verdadeiro, por sua vez, está em Buenos Aires tomando café com a mãe, quando lê pelos jornais sobre o acidente aéreo. Em um de seus arroubos e diante da perplexidade da genitora, comemora o fato de estar vivo. Mas, a mãe pondera que de fato ele morreu. “Se descobrirem que qualquer um pode cantar como você, o seu mito termina”.
Trata-se, pois, de um dilema grandiloquente, genial. Vivo e morto. Gardel se permite acompanhar o cortejo fúnebre de si mesmo até o Cemitério de La Chacarita. E assume o perfil de um cantor de arrabalde, até que encontra Juanita, que descobre o que aconteceu, e, frustrada, o batiza como Renzo Franchi.
Claro que nada disso aconteceu. E que importa? O filme é brilhante. Ponteado pelos tangos imortais. Começa com Tomo y obligo e termina com Mi Buenos Aires Querido.

Ouça o tango que emprestou o nome para o filme, na voz inigualável de Carlos Gardel clicando aqui

O mito e o pombo sem asa!

Certa vez estava com meu compadre José “Pepe” Meirelles em Buenos Aires, quando um destes “pombos sem asas” tão comuns no jornalismo pátrio desembarcou em solo portenho. (Pombo sem asa é aquele repórter que, de repente, fala duas frases inteligentes que o editor pensava, mas não tinha coragem de dizer, e vira gênio da raça. Desaparece do mesmo jeito que aparece, graças a Deus!)
Este era um fenômeno, vinha de uma dinastia comunista, mas era o símbolo do yuppie. Chegou über metido e nos convocou para um jantar, onde pretendia distribuir pautas para nós dois, que culminassem com alguma tese tão importante que eu nem me lembro.
O jantar foi no tradicionalíssimo Palacio de las Papas Fritas, na calle Lavalle, numa noite de terça-feira. O pombo falava sem parar. Eu e o Pepe nos entreolhávamos assustados. Eis que uma loja de discos ao lado começa a tocar Estudante, com Gardel a plenos pulmões. Todos começaram a cantar no restaurante.
O pombo, sem entender nada, nos perguntou: “De que se trata?”
- Quer um conselho, amigo? – disse o Pepe.
- Pega o avião amanhã e volta para casa. Deste país você não entende un carajo – completei eu.
Levantamos e deixamos o “pombo” imobilizado. Fomos ao Union Bar terminar a noite.
A matéria nunca foi apurada e a criatura nunca mais nos dirigiu a palavra. Desapareceu e surge vez ou outra como gênio temporário.



O mito ainda vive!


Gardel com las rubias de Nova York: foxtrote de sucesso

“Tinha uma presença superior na voz e na figura, uma enorme simpatia pessoal que fazia com que ganhasse imediatamente o afeto de todos. Foi tão profunda a simpatia que inspirava que recordo claramente que estivemos reunidos até a primeira luz da manhã (no Palácio do Mediterrâneo, em Nice, França) em uma noite memorável. Disse-lhe que teria um futuro brilhante e o aconselhei a se dedicar ao cinema. Quando foi aos Estados Unidos veio a visitar-me em casa e me deu a oportunidade de voltar a escutar suas canções memoráveis. Uns dias antes de sua última turnê veio se despedir. Falava um inglês correto e me disse que empreenderia uma viagem pela América Central, idéia que aplaudi. Posso dizer publicamente que com a morte de Gardel perdi um dos meus melhores amigos e os países da América do Sul deveriam saber que não poderiam ter um melhor representante que Gardel. No que concerne ao cinema, perdeu uma figura colossal que nunca poderá ser substituída”.
O texto acima é de ninguém menos do que Charles Chaplin. Acrescentar alguma coisa seria de uma pretensão absurda.
Gardel nasceu em Toulouse, na França, em 11 de dezembro de 1890. Veio para Buenos Aires com três anos de idade, em companhia de sua mãe.
Em 1913 formou uma dupla com o cantor uruguaio José Razzano. Só em 1925 começou sua carreira solo. Em 1928, em Paris, realizou uma série de apresentações fantásticas e vendeu nada menos do que 70 mil cópias de seu disco.
Com o cinema falado, Gardel se encaixou a perfeição. Rodou 10 filmes para a Paramount.
Morreu em 1935. Já são quase 76 anos. Mas, o espírito da sua personalidade e sua voz permanecem vivos. Há infinitas edições de seus discos, centenas de portais dedicados a ele. E para qualquer argentino que se encontre na rua e se pergunte sobre Gardel, a resposta é automática: “Aun canta cada vez mejor!” Com certeza.

Ouça o famoso Foxtrote que Gardel gravou em Nova York, em 1917, em uma versão de julho de 1934. 

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