quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conversa de bar ou de boliche

Madres Mayo: a mesma plataforma de luta de todas as mães latino americanas

Se há uma coisa ridícula que une brasileiros e argentinos no mesmo tom de agressividade é a disputa mútua, diria ódio mesmo.
Qual é a lógica?
No Brasil, argentinos são ridicularizados até em comerciais de televisão. São apresentados sempre como arrogantes e ultrapassados. Na Argentina, os brasileiros são prepotentes, exagerados e assim por diante.
Brasileiros e argentinos levam o campo de disputa esportiva para dentro de suas vidas. São intolerantes em relação ao vizinho, os aspectos mais comezinhos.
Mas, no fundo. No fundo mesmo. Admiram-se mutuamente.
Certa vez fiz um ponto com comunistas argentinos em Buenos Aires e fiquei perplexo com a descrição política que eles faziam do Brasil. Davam a entender que a revolução estava a um passo e que seria fruto da ousadia de costumes apresentada nas novelas da TV Globo.
Ficaram decepcionados e incrédulos quando eu disse que era mais fácil D.Pedro I se transformar no fantasma de D.Sebastião e passar a assustar a todos do que as classes proletárias brasileiras empreenderem uma revolução. Não entendiam porque Jorge Amado não era o grande motor da ânsia socialista e porque uma figura como Luís Carlos Prestes não tinha no Brasil o mesmo papel importante que desempenhava nos países da América Latina.
Outro dia me contaram que na gloriosa UnB, aqui de Brasília, professores desfilavam a tese esdrúxula de que o Brasil não faz parte da América Latina. Por suas peculiaridades históricas e pelo seu tamanho, ele se constituiria num continente próprio, lindeiro destes pobres países de fala espanhola.
Como se sabe, nós brasileiros sempre nos consideramos a bala que matou Kennedy. Assim como somos os melhores neste negócio de correr atrás da bola, somos também os campeões da desigualdade, do preconceito contra pobres, da concentração de renda e uma série de outros campeonatos. Esquecemos que a nossa história é trágica. Que nos livramos e mal da escravidão, aliás fomos um dos últimos países do planeta. Que empreendemos pelo menos uma guerra estúpida contra a Argentina. E que ganhamos o apelido de “macaquitos” por conta de uma dominação imensa em Buenos Aires, onde nossos valorosos soldados não deixaram uma única mulher intocada. Como nossos soldados eram negros alforriados...
Camponeses sem terra: no Brasil como em qualquer pais vizinho
Muita coisa une argentinos e brasileiros. A imbecilidade de suas classes médias, rigorosamente idêntica. O descomprometimento absoluto com a construção de seus países. O poder devastador da colonização cultural.
Outras coisas nos separam. A revolução educacional na Argentina se deu ainda com Sarmiento, no século XIX. No Brasil, efetivamente no início do século XXI. Quando nós conseguimos chegar eles já estão saindo. Resultado: os argentinos aproveitaram melhor o século XX. Nós o desperdiçamos.
Militares argentinos e brasileiros se odeiam, talvez por serem igualmente intervencionistas, reacionários, e estarem sempre a soldo de uma classe dominante corrupta e vendida aos interesses das potências colonialistas.
O Brasil é gigante, multirracial, primitivo em alguns aspectos. A Argentina é pequena, européia, sofisticada e praticamente centralizada em Buenos Aires.
Brasileiros tem um Atlântico quente e praias formosas. Argentinos tem a neve e a imponência da Cordilheira dos Andes.
Argentinos são italianos que falam espanhol e pensam que são ingleses. Brasileiros são um bando de loucos, preguiçosos, dependentes de um estado patrimonialista.
Deveríamos aprender uns com os erros e os acertos do outro. Deveríamos construir uma nação só, separada talvez e, afortunadamente, pela língua. Deveríamos conviver em paz e nos preocupar com nossos irmãos uruguaios, paraguaios, chilenos, bolivianos, peruanos, equatorianos, colombianos e venezuelanos. Deveríamos ter a modernidade de entender que nossos adversários são os mesmos: os países colonialistas que insistem em nos dominar e que não desistem. Deveríamos entender que juntos seríamos fortíssimos, absolutos, auto-suficientes.
Lula entendeu isso. Por isso tornou-se um padrão de orgulho brasileiro e latino-americano. Fernando Henrique nunca se preocupou com isso e ganhou o esquecimento. Dilma poderia propor derrubar de vez as barreiras alfandegárias entre nós. Que mal as economias vizinhas poderiam provocar na nossa?
Poderíamos intercambiar nossas políticas públicas. Ensinar e aprender. Derrubar o preconceito e a arrogância mútua.
É bom parar por aqui. Logo vai aparecer alguém e me chamar de bolivariano, ou de guevarista. Afinal, o Che disse com todas as letras, ainda menino, no Leprosário de São Paulo, no Peru, nas barrancas do rio Amazonas: “Saúdo este continente maravilhoso, do rio Grande a Patagônia, que se consolida em uma única nação multirracial e oprimida”.
Grande Guevara! Nascido na Argentina, herói cubano, cidadão do continente. Sempre à frente de seu tempo, com a visão terna e firme dos revolucionários.
Ainda temos muito para construir. O primeiro passo talvez seja acabar com esta rivalidade ridícula entre brasileiros e argentinos, peruanos e equatorianos, colombianos e venezuelanos. Terminar com as desconfianças mútuas, eternamente plantadas pelo colonizador, pode ser um bom começo.


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