sábado, 9 de abril de 2011

O Rio chorou. De novo.

Estive ontem com o ministro Fernando Haddad em Realengo, no cenário desta tragédia impressionante. Chamou-me a atenção o volume de cadeados e grades. Como era de se esperar, o clima no local era terrível, notadamente entre professores e funcionários da escola. Fernando Haddad, como sempre foi brilhante, lúcido, comedido, cirúrgico na sua intervenção. Não estava ali para se exibir, nem para coisa nenhuma. Colocou a posição do Estado com serenidade:
- Não sei que tipo de escola seria, se a segurança a mantivesse de tal forma apartada da comunidade, a ponto de impedir a frequência de um ex-aluno.
Haddad disse ainda que a melhor forma de garantir a segurança de uma escola é, justamente, o envolvimento da comunidade.
O país está chocado e com razão.
Da minha parte, entretanto, além do susto que eu tomei, quando recebi a notícia, fiquei impressionado com o volume de batatadas e os rompantes de imbecilidade que apressados especialistas trouxeram à tona.
Para começo de conversa, o único ineditismo deste malfadado incidente foi o fato dele ter acontecido dentro de uma escola. Execução absurda de crianças não é novidade no Brasil.
Corpos da Candelária: exibição do massacre na porta da Igreja 
Na madrugada do dia 23 de julho de 1993, a gloriosa Polícia Militar do Rio de Janeiro executou sem piedade seis menores e dois maiores, moradores de rua, no entorno da Igreja da Candelária. As razões do crime hediondo, estúpido e inacreditável, tanto quanto o de Realengo, até hoje são desconhecidas. Fala-se em retaliação pelo fato dos meninos terem atirado pedras em viaturas da PM. Ou de vingança por um dos meninos ter assaltado a mãe de um oficial da corporação.
Na década de 80, cobri um episódio absurdo, ocorrido no centro velho de São Paulo. Um garoto de rua bateu uma singela correntinha de ouro de uma perua que vagava pelo entorno do Largo de São Francisco. Um bando de marmanjos querendo se exibir, deu perseguição ao menino de nove anos, alcançaram-no, recuperaram o bendito cordão, e lhe impingiram uma surra tão grande que o menino morreu.
Realengo: cenário da nova tragédia
Em outras palavras, a vida de um ser humano vale menos do que uma correntinha de ouro.
Quanto ao pobre imbecil que empreendeu a matança em Realengo, o Globo de hoje esclarece que a besta havia sido vítima de um bullying (termo da moda) terrível em seus tempos de estudante na Tasso da Silveira. Estranho no comportamento, tímido e afeminado, o cara teria sido alvo de uma maldade impressionante por parte, sobretudo, das meninas da escola, que o provocavam com falsos assédios para provocá-lo.
Tal maldade incutida dentro de uma mente originalmente perturbada, mais alguns comportamentos como a obsessão religiosa, ele era adepto da radicalíssima seita Testemunhas de Jeová, mais o acesso a sites estranhos ligados ao fundamentalismo, uma vida reclusa, o acesso fácil a armas e ao seu manejo, pronto.
Nada justifica o que ele fez. E nunca saberemos o que havia de fato na caixa preta deste cara. Mas, que esta receita é capaz de produzir um monstro, é.
Realengo é um subúrbio simpático na rota de Padre Miguel e Bangu. As casas são cuidadas, as ruas são limpas. Seu nome deriva da deformação de Real Engenho. Como não cabia na placa do bonde, foi abreviado para Real Engo. As pessoas se conhecem, conversam na rua. No século XIX, o glorioso Exército Brasileiro construiu lá uma fábrica de cartuchos. O Ministério da Educação, nesta gestão, transformou a bela edificação, cercada de mangueiras e outras árvores frutíferas em unidade do Colégio Pedro II.
Como este é um país onde prospera o FEBEAPA (Festival de Besteiras que Assola o País) gostaria de fazer coro ao brilhante editorial da Folha, no dia seguinte aos fatos: “Onde estão agora os energúmenos que defenderam e votaram pela manutenção do direito dos cidadãos manterem livremente armas em seu poder?” 

Um comentário:

  1. Ao ler esse post, leitor que me tornei do seu blog (por motivos que prefiro não trazer à baila nesse momento rs), me vejo impelido a fazer uma pequena, mas não desmerecedora, ressalva:

    O 'pobre imbecil' e quantos mais adjetivos puderem ser atribuídos a essa mente perturbada (concordo), não era, nunca foi e nunca seria uma cristã Testemunha de Jeová. Uma pequena lasca de lenha para essa fogueira bem incendiada por si só, pelo cenário de horror que ele fez da escola Tasso da Silveira, foi ter citado em seu confuso diário que era obrigado a ir a reuniões das Testemunhas, por imposição de seus pais adotivos, e de terem sido encontrado em seu quarto, livros de doutrinas bíblicas, publicados por eles.

    Acontece que a mera citação dessa religião causa esse tipo de reação nas pessoas de forma geral (não o culpo). Parece que esse nome traz ao leitor, telespectador, o que for, a ideia daqueles 'crentes que não tomam transfusão de sangue' e por aí vai, ou por aí fica. Sim, porque a religião das Testemunhas de Jeová (e não seita, posto que não são sectários do cristianismo católico, nem protestante, e sim cristãos genuínos) tem seus preceitos, calcados no puro cristianismo, onde aprendem a disseminar o amor a Deus e ao próximo e não vírus como arma biológica de destruição em massa, nem ataques suicidas, nem nada parecido.

    O discurso de Wellington deixa claro que ele seguia outro tipo de fundamentalismo, mais precisamente o islamismo. Basta ver as últimas imagens em foto ou vídeo dele, onde aparece com barba e turbante, no pior estilo "Os Ama Bin Laden" e solta frases típicas de seguidores dessa religião, e até se identifica como tal.

    O próprio ato de matança cruel não combina em nada com a atitude das Testemunhas, cristãs que são. O terrorismo religioso nunca foi, nem nunca será ligado a esse grupo, que inclusive preferiu morrer nos campos de concentração nazista, do que derramar o sangue de qualquer pessoa, de qualquer ordem religiosa, nem sequer fazendo a saudação a Hitler. Esse ato tem, sim, um cheiro do terrorismo que marca o Islamismo e seus seguidores extremistas, que acreditam na possibilidade tentadora de viverem eternamente com suas mil virgens, caso entreguem sua alma (e dos 'infiéis' que sacrificam junto com eles) a favor de Alá.


    Sim, é fato que assédio moral na escola, para não usar o termo modista, obsessão e radicalismo religiosos, vida reclusa, acesso fácil a armas e ao seu manejo - e eu incluiria o acesso a filmes e jogos violentos, a cenas violentas na internet, e mesmo o acesso à violência da sua própria realidade de jovem morador de subúrbio - tudo isso semeado numa mente obviamente perturbada, é receita germinadora, capaz de produzir esse perfil, digamos, demoníaco (adjetivo tendenciosamente cristão).

    É fato, também, que religião não define caráter. Apenas concluo, apontando para o fato de que ele não foi, nem nunca seria, um genuíno cristão.

    Ele é sim, definindo-o como uma criança, um monstro infeliz!

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