domingo, 20 de novembro de 2011

Deu na TV: a guerra acabou!

Dustin Hoffmann, Anne Heche e Robert de Niro: personagens caricatos e reais








Passou-me completamente desapercebido um interessante filme de Barry Lavinson, com Robert de Niro e Dustin Hoffmann, entre outros, chamado Wag the Dog, Mera Coincidência em português. Trata-se de uma muito bem feita caricatura sobre a relação entre poder e mídia, fantasia e realidade, e a capacidade impressionante de se manipular as convicções.

A história começa com uma desgraça. Há um mês das eleições, que certamente o levariam a quatro anos mais de mandato na Casa Branca, o presidente americano recebeu um grupo de bandeirantes de um estado periférico no Salão Oval e ficou alguns minutos com uma estudante de 13 anos, a sós, atrás de uma coluna. Tal procedimento lhe valeria a acusação de ter molestado a garota, o que, convenhamos, seria seu fim político.

Depois do incidente, o presidente voou em missão oficial para a China, mas do Força Aérea Número Um solicitou a sua assessoria que chamasse um certo Conrad, ex-jornalista especialista em crises, na tentativa desesperada de contornar a situação.

Primeira lição, um especialista em crise se atém a realidade, aquilo que estará fixado na mente da população. E não se segura em desculpas, versões, desmentidos, etc.... Conrad é levado para uma sala de situação nos porões da Casa Branca, onde se inteira da situação e surpreende com conclusões duras. “Não importa o que aconteceu, ele atacou a menina”. ”Se fulano sabe, todos sabem”.

Uma perplexa e burocrática equipe de comunicação fica estarrecida com o cenário. Ainda mais porque a equipe do candidato da oposição também se inteirara da situação e estava prestes a detonar o assunto.  Sem perder a calma, Conrad pede duas passagens para Los Angeles, uma soma em dinheiro equivalente a US$ 80 mil, e dispara uma ordem estranha. “Ligue para o jornalista tal e diga que reina preocupação na Casa Branca com relação a utilização do avião bombardeio americano B3. Preciso ganhar tempo, marque um briefing do porta-voz para as 11 horas e mantenha o presidente na China". Em seguida zarpa escoltado por uma aturdida chefe de comunicação, vivida por Anne Heche, em direção a Costa Oeste.

Na longa viagem, via Chicago, ele explica a sua estratégia. "Vou criar uma guerra, só não sei contra quem". Ao desembarcar em Los Angeles, ele já não tem dúvidas, contra a Albânia.

Por que contra a Albânia?

“Porque ninguém sabe direito onde fica. Ninguém sabe que cara tem os albaneses!”

Na Califórnia, Conrad se reúne com um produtor hollywoodiano, vivido por Dustin Hoffmann, um tanto quanto frustrado pelo não reconhecimento de suas competências, a quem se atribui a missão de criar uma guerra imaginária  nos Balcãs.

A estratégia do briefing deu certo. A discussão sobre o que ocorreu com a menina caipira e voluptuosa foi mencionada apenas de relance, enquanto que os jornalistas já regurgitavam a eventual utilização do bombardeio B3 no conflito com a Albânia.

A guerra torna-se uma realidade com informações sobre desembarque de mariners, deslocamento de porta-aviões, a possibilidade da Albânia ter aparatos nucleares e ameaçar os aliados da Europa e todo o cardápio intervencionista conhecido desde a construção do canal do Panamá. Criaram até o requinte de grupos terroristas albaneses infiltrados no Canadá, que estariam ameaçando a fronteira americana. Os desmentidos do governo de Tirana (a capital da Albânia) não são ouvidos. Levantam-se as ONGs habituais para condenar o intervencionismo americano, ao mesmo tempo em que os governos aliados declaram total apoio a ação militar.

A operação tinha um nível de sofisticação altíssimo. Willy Nelson, o célebre cantor country americano é chamado para criar um clipping, com os mais badalados cantores da atualidade, sob o mote, “cuidem de nossas fronteiras”. A imagem de uma jovem albanesa em fuga diante do ataque de seus conterrâneos, em uma aldeia rural, é criada por computação, com o requinte de estar abraçada a um gato, que, consultado, o presidente americano exige que seja branco.

Vai tudo muito bem até que a CIA decide entrar na parada. Confusa, com informações contraditórias, não sabe direito o que apurar. Mas, esta indecisão é usada pelos operadores da candidatura oposicionista. O que leva o tal candidato a convocar a imprensa e anunciar: “De acordo com informações da CIA, cessaram as hostilidades na Albânia”.

 - Acabou a guerra, proclama um apreensivo Conrad.

- Como assim? Acabaram com a minha guerra? Não pode ser, protesta o produtor de Hollywood.

- Acabou. Deu na televisão. Acabou. Temos que sair dessa agora.

Bem, este começo é suficiente. O resto da história, marcado por lances ainda mais rocambolescos e engraçados, vocês podem ver no filme. Mas, pela caricatura colocada, que reflete uma realidade, podemos fazer uma humilde reflexão.

Os americanos são mesmo pioneiros nesta história de manipulação da opinião pública nacional e internacional. No final do século XIX criaram uma guerra encarniçada em Cuba, que culminou com o fim do domínio espanhol e a supremacia yankee na grande ilha caribenha. Este conflito, estranhamente não consta dos manuais históricos espanhóis, pelo menos não com a intensidade dramática com que os americanos a trataram.

Deste conflito bélico surgiram duas coisas importantes: as marchas militares de John Phillipe Souza (Star and Stripes forever!) e um obscuro oficial que se tornaria presidente, Theodore Roosevelt, o Big Bear.

Roosevelt, aliás, que usaria a mesma estratégia ao apoiar um movimento político separatista inexistente na Colômbia, para justificar o seu apoio a identidade nacional panamenha contra Bogotá e depois construir o estratégico canal que liga o Atlântico ao Pacífico.

Seu sobrinho, o grande estadista Franklin Delano Roosevelt, na década de 30, usaria o cinema e o rádio para reforçar o fim da depressão americana e a afirmação do New Deal.

Entre o Canal do Panamá e as armas químicas de Saddam Hussein passou-se quase um século. E não deve ser difícil alinhar algumas movimentações militares americanas com a manipulação da opinião pública: Japão (a bomba atômica), Coréia, Vietnam, Cambodja, Cuba, Berlim, Kossovo, Sérvia, Irã, Iraque, Afeganistão e assim por diante.

É claro que esta forma de lidar com a realidade não é um privilégio americano. Os nazistas venderam na Alemanha o anti-semitismo; os franceses o perigo da Argélia; os ingleses sacrificaram o general Gordon no Sudão em uma guerra estúpida contra o Madi; os africaners diziam que os negros da África do Sul iriam jogar os brancos no mar. Ah! É claro, não poderia esquecer dos Ets de Coswell, no Novo México, que deram origem a ameaça que vinha do espaço e descobriu-se que se tratavam apenas de balões meteorológicos.

Armstrong na lua: tem gente que até hoje não acredita.


Por essas e por outras não dá para condenar as pessoas que ainda são céticas em relação a aventura de Neil Armstrong que caminhou na lua. Para muita gente, foi tudo uma produção de Hollywood, cujo interesse maior era apontar uma faca na garganta do Kremlin, até porque vivia-se naquela época uma guerra fria tremenda. Em outras palavras, um confronto de operações de manipulação da propaganda da União Soviética e dos Estados Unidos, com o resto do mundo no meio e a ameaça de uma guerra nuclear que acabaria com o planeta.

No Brasil, durante anos se vendeu o tenentismo e a Coluna Prestes como uma ameaça institucional a República. Movimento de radicais que pretendia implementar novas ideologias e confrontar a oligarquia café com leite. Certa vez, perguntei ao senador Luís Carlos Prestes o que ele achava disso. E ele me respondeu:

- Bobagem! A gente queria apenas atazanar o Bernardes.

Getúlio Vargas em seu segundo governo (1950-1954) foi levado ao suicídio por conta de “um mar de lama” que nunca se provou. O estancieiro João Goulart era o líder de um movimento que pretendia implantar o comunismo no Brasil. Os militares brasileiros foram forçados pelo povo a sair dos quarteis e implantar uma ditadura de 25 anos, por conta disso. As Diretas Já pretendiam mesmo aprovar o dispositivo constitucional de Dante de Oliveira que elegeria o presidente da República por voto direto. Tancredo Neves acreditava nisso e nunca pensou em disputar a presidência no colégio eleitoral.  Collor era o caçador de Marajás em Alagoas, a modernidade que chocou os políticos brasileiros, notadamente do PFL (hoje DEM), PTB e quetais, impressionados com a corrupção.

João Goulart: o estancieiro que permitiria a implantação do comunismo

Aliás, alguém consegue me dizer qual foi o único político progressista, de “esquerda” que apoiou Collor até o último momento?

Certa vez, nos anos oitenta, os governadores da oposição, Montoro, Brizola, Tancredo e José Richa estavam reunidos no Palácio dos Bandeirantes quando a turba ameaçou derrubar as cercas. Estava insatisfeita com o governo destes senhores.

Montoro não teve dúvidas. Atribuiu tudo a uma grande conspiração da direita, quer dizer dos militares, contra os governos constitucionalmente eleitos. Na coletiva tive a petulância de perguntar:

- Governador, o senhor acredita mesmo que os militares tem esta capacidade de mobilização popular, a ponto de pression ar as cercas do Palácio dos Bandeirantes?

- Claro que tem. Todos sabem que é uma conspiração.

- Quem é todos, governador?

- Ora, o povo. Pergunte ao povo. Ele sabe que há uma conspiração.

O povo, como se sabe, mora na rua Felipe Schimidtt, 28, em Florianópolis, e não tem telefone.

As cercas derrubadas do Palácio dos Bandeirantes: segundo Montoro, uma conspiração da direita

Outro dia um colega, renomado jornalista de um vetusto matutino de São Paulo, me ligou e disse que tinha informações seguras do governo de que o Ministério da Educação não iria recorrer da decisão da Justiça Federal do Ceará. Queria saber a posição do MEC.

- Cara, de onde você tirou isso. Esta informação não existe. É uma plantação barata. O ministro decidiu pelo recurso, os nossos advogados já estão em Recife. Quem é o governo?

- Ora, o governo é o governo!

Foi fácil desmontar a versão do jornal. Até porque a televisão não deu. E os colegas passaram então a atribuir um poder incomensurável ao ministro da Educação: MEC faz governo recuar! Diziam. Para livrar a cara, nos atribuíram um poder que decididamente não temos.

A manipulação da opinião pública atinge níveis de irracionalidade e incredulidade impressionantes. Me lembro por exemplo que a Souza Cruz, a subsidiária da American Tabacco no Brasil, tinha ordens da matriz de tirar do mercado a marca Minister, líder do segmento virgínia-blend. Começaram a espalhar a informação de que cigarros daquele marca provocavam câncer. Acreditem, as pessoas mudaram de marca.

Outro dia, deu na TV, o glorioso dr.Drauzio Varella garantiu com todas as letras: “100% dos fumantes um dia morrerão”.

É claro que ele quis dizer que todos os fumantes acabarão morrendo por conta do cigarro. No afã de criar um certo sensacionalismo, foi além. Mas, como disse o velho Conrad , deu na TV, quer dizer a guerra acabou.

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