sábado, 17 de março de 2012

É hoje, é hoje, é hoje....o circo do Pelado!

O circo de John Ringling North: o maior espetáculo da terra




O velho Nunzio, o meu pai, adorava circo. Por esta razão, eu era bem pequeno quando fomos ver o maravilhoso Circo Americano e depois o John Ringling North. Mais tarde, tive o privilégio de ver o D’River Circus em Paris e o Circo de Moscou, duas vezes, uma no ginásio do Ibirapuera e outra na sua sede na capital da Rússia.

Herdei dele a paixão pelo circo, pelo riso fácil e pela serragem do picadeiro. Um dos meus passeios preferidos, já adulto, era a visita anual ao Beto Carreiro World, em Piçarras, Santa Catarina, um festival de circo com atrações que duravam o dia inteiro. Claro que eu me apaixonei por uma malabarista quando era criança. E, como todas, eu também sonhei em ir embora com o circo e me tornar um ás sei lá de que.

O circo mexeu mesmo com a minha cabeça na pequena Pratápolis, onde um grupo de artistas reunidos numa empreitada chamada Circo do Pelado acampava por lá duas vezes por ano.

- É hoje, é hoje, é hoje, o Circo do Pelado. Venha com a família para ver a mulher barbada, a contorcionista, os malabaristas e os palhaços. Na segunda parte do espetáculo, os artistas do circo vão encenar a peça A Morte do Caixeiro Viajante. É hoje a grande estréia, do lado da matriz, as oito e meia da noite.

Se eu me lembro bem, este era o refrão que o dono do circo, ele mesmo, repetia pelas ruas da cidade mineira, a bordo de uma caminhonete velha com um sistema de som ultra-primitivo.

Eu tinha 10 anos e não me incomodava que as roupas dos artistas fossem surradas ou que o circo fosse mambembe. Eu queria me divertir e me divertia muito. Sonhava com a malabarista de coxas grossas, que parecia uma mulher imensa como Anita Ekberg. Viajava nas histórias, nos números, no som da banda ( na verdade um trombone, um trompete, um sax e um baterista executados pelos próprios empregados responsáveis por cuidar da tenda de lona).

Como papai adorava circo, sua ópera predileta era I Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo.  A primeira vez que eu a vi foi numa matiné, no Teatro Municipal. Era um programa duplo com a Cavalleria Rusticana, de Pierto Mascagni, na primeira parte. Acho que eu tinha uns oito anos.

Lembro-me bem que fiquei impressionadíssimo com a massa coral e a via sacra da obra prima de Mascagni. Nada é mais siciliano do que a Cavalleria. No intervalo, o velho Nunzio divertindo-se com o meu entusiasmo, disse apenas: “Guarda um pouco para a outra. Acho que você vai gostar mais”.

E como sempre, ele tinha razão. Quando as luzes se apagaram e apareceu o rosto do Tonio entre as cortinas cantando o prólogo, eu não conseguia tirar os olhos do palco. Ainda me lembro das carroças do circo, da primeira vez que eu ouvi a ária Veste la Giuba, do pequeno prelúdio orquestral para a troca de cena e a genial concepção do desfecho da história, quando surge um picadeiro com público e tudo no palco.(Clique aqui para ver a interpretação de Luciano Pavarotti para a aria de Leoncavallo)

A montagem da última cena de Os Palhaços: um palco dentro de outro palco


Um picadeiro dentro do palco. Sinto até hoje a angústia de ver Canio e Nedda vivendo uma tremenda cena de ciúmes, enquanto o público imaginando que se tratava de uma interpretação ultra-realista, aplaudia, sem saber, que no final ele mataria a pobre Colombina. E o vozeirão do barítono que interpretava Tonio se dirigia ao público e dizia: La commedia é finita!

Os Palhaços é uma ópera das mais populares e consequentemente das mais gravadas. Pessoalmente prefiro uma gravação antiguíssima gravada em Nova York, em 1953, pela RÇA Victor, com o tenor sueco Jussi Bjorling, a soprano espanhola Victoria de Los Angeles e o barítono americano Leonard Warren (um dos maiores de todos os tempos).

Mas, é uma questão de gosto. Todos os grandes tenores e barítonos passaram por estes papeis. Há gravações maravilhosas.

Portanto, sabendo que o circo escondia um drama e que para fazer rir e entreter aquela gente sofria e muito, fiquei embasbacado quando vi no Cine Roma, pela primeira vez, O Maior Espetáculo da Terra, de Cecil B. de Mille. Ainda mais porque eu tinha visto o circo de John Ringling North pessoalmente, ao vivo, e reconheci os palhaços e alguns dos artistas.

Outro filme que me impressionou bastante foi Trapézio, de Carol Reed, rodado no Bugliones Circus de Paris, com Toni Curtis, Burt Lancaster, Gina Lollobrigida e Katy Jurado. Até hoje, aquele final me entusiasma, com a música do circo ao fundo.

O circo do século XX é um herdeiro do teatro mambembe da idade média. Mistura habilidade, ginástica, criatividade e teatro. A incrível habilidade de contar uma história através de malabares, trapézios, palhaços e equilibristas. Cavalos, elefantes, ursos e leões. Depois de muita insistência da Nina neste final de semana fui ver o circo do século XXI, o tal de Cirque Du Soleil.

O Cirque du Soleil, o circo do século XXI: sem serragem, nem picadeiro


É um belo espetáculo! Colorido e movimentado. Mas, me deu uma sensação tão estranha. De repente as minhas lembranças pareciam estar em um tempo distinto, como se eu estivesse vivendo uma outra existência. É tudo limpo, moderno e eficiente. Organizado e asséptico. Não tem serragem. Os palhaços não usam máscaras e todo mundo usa uma fantasia que parecia, sei lá, habitantes de um jardim, incluindo-se lesmas e caracóis. A trilha sonora parecia uma mistura de música chinesa com árabe. Coisa acima e além da new age, me disseram.

Valeu à pena. Foi um belo espetáculo. Poderia ter sido feito por robôs, quem sabe. Mas, me deu uma saudade danada da malabarista de pernas grossas, que parecia linda de longe, e que de perto revelava a ausência de um dos dentes incisivos. Mas, diante da insistência do menino que eu era, ávido e curioso, me deu um sorriso, um beijo no rosto e me fez muito feliz.

Que saudades!

“É hoje, é hoje, é hoje....O circo do Pelado!” 

4 comentários:

  1. Eu sou deste tempo, morava no bairro Jardim da Gloria e fui no circo do pelado, ate que trabalhei neste circo onde eu empurrava os carrinhos feito de tambor parecia aviões

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  2. A MINHA FAMILIA É DE CIRCO, O PALHAÇO PELADO ERA TIO DO MEU AVÔ, QUE FOI O SEGUNDO PALHAÇO PELADO, TODOS DA FAMÍLIA AUGUSTO

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    1. Olá, também sou parente deles. Podemos conversar mais a respeito da família?

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