terça-feira, 27 de março de 2012

Uma lacuna no pensamento libertário

Mastroianni como dr.Pereira: despertar do torpor nos anos 30




Incrível como alguns países tem a capacidade de se colocar como alter-ego de outros. O Brasil, por exemplo, apesar de todo gigantismo tem no pequeno Uruguai uma espécie de grilo-falante a lembrar-lhe que o pavão quando olha para os pés chora. E, isso é anterior ao Maracanazo. Na Itália este papel cabe, por incrível que pareça a Portugal.

Por esta razão, a morte prematura de Antonio Tabucchi, aos 68 anos, em Lisboa, no último dia 25, foi irreparável. Historicamente italianos fizeram muito sucesso em Portugal. E dois deles, o genovês Cristóvão Colombo e o toscano Américo Vespúcio, estão na galeria dos grandes personagens da história. Ocorre-me agora que um dos maiores marcos da cristandade, Fernando Martins de Bulhões, um frade agostiniano que viveu na virada dos séculos XII e XIII, antes de ser conhecido como frei Antônio de Pádua, era Antônio de Lisboa. E foi um dos primeiros doutores da Igreja Católica Apostólica Romana.

Tabucchi: mais um italiano que se apaixonou por Pessoa
Tabuchi era filho de um vendedor de cavalos toscano. Nasceu em Pisa, em 1943 e estudou literatura em Paris na década de 60, quando se deparou com um texto em francês de Fernando Pessoa. Ficou de tal forma impressionado que tornou-se o responsável pela edição italiana de toda a obra do português.

Talvez a obra mais conhecida de Tabucchi, pelo menos no Brasil, seja “Afirma Pereira”, de 1994, editado pela Rocco, que ganhou o cinema como “Páginas da Revolução”, estrelado por um sensacional Marcelo Mastroianni, em 1996, e dirigido por Roberto Faenza.

“Afirma Pereira” é uma pequena obra prima. Trata da história de um velho jornalista que edita uma página cultural semanal em um jornal lisboeta, na segunda metade da década de 30. Vive em um permanente estado de torpor, mantido a custa de limonadas com muito açúcar, desde a viuvez. Totalmente alheio ao mundo ao seu redor, apesar dos sinais da violência do salazarismo e dos ecos da revolução espanhola que chegam a capital portuguesa, é despertado por um militante republicano italiano.

Tabuchi escreveu ainda um texto genial chamado “O senhor Pirandello é chamado ao telefone”. Nada menos do que um telefonema de Fernando Pessoa, de uma clínica psiquiátrica em Cascais. O telefonema se frustra. E Pessoa se derruba em um de seus acessos de loucura.

Claro, Pessoa é o próprio Tabucchi, e revela um conhecimento pleno de “Seis personagens a procura de um autor”e de “Um, nenhum e cem mil”. É como se o poeta português pudesse criar em cima do gênio siciliano.

Tabucchi era um crítico tremendo do período berlusconiano na Itália. Como articulista de La Reppublica e de El Pais, nunca deu trégua ao Coccodrillo. Sua morte vai deixar mais uma lacuna enorme no moderno pensamento libertário. É como se o doutor Pereira morresse outra vez.

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