sábado, 18 de março de 2017

A direita, a esquerda e o saco cheio da classe média





Outro dia um amigo muito querido manifestou-se aqui no face, com amplo apoio, que estava de saco cheio da dicotomia direita-esquerda. Não é a primeira vez que ouço isso. Gente muito boa e muito querida já me disse com todas as letras: “Isso é coisa do século XX, a revolução digital acabou com isso, agora as questões são outras, qualidade de vida, ambientalismo....”

Costumo responder com uma caricatura. Uma comissão de fábrica diante de um patrão exigindo participação nos lucros, melhores condições de trabalho, salários compatíveis... O patrão então se sai com esta: vou plantar uma árvore na frente do barraco onde vocês moram e vou dar uma conta na internet para cada um. Ou como gostava um antigo ex-ministro da Educação, de triste memória, um lap-top amarelo para cada um.

Se preferem me chamar de old fashioned, tudo bem. Mas, para mim, qualidade de vida é salário justo e digno. Pode deixar que eu mesmo planto uma árvore no meu jardim. E só compro produtos ambientalmente corretos. Separo o lixo direitinho. Até monto uma micro-usina de compostagem aqui no prédio.

Que conversa! Gente o eterno confronto, desde que a primeira máquina a vapor inundou de fumaça uma chaminé, é entre capital e trabalho. O patrão querendo ganhar mais a custo do trabalho de seus empregados. E os empregados querendo sobreviver as condições cruéis de trabalho. Defendendo jornadas mais justas, salários mais dignos e ambientes de trabalho mais saudáveis.

Claro está que há sempre a opção de bajular os patrões (quem sabe um dia querendo ser um) e eventualmente cerrar fileiras com os trabalhadores. Isso se chama ser de centro. Ou extremo centro como eu costumo dizer.

Tem gente muito boa de todos os lados. Patrões que dividem o lucro com seus trabalhadores e até convivem com a gestão compartilhada. Sindicalistas honestos que representam mesmo o direito dos trabalhadores. Centristas liberais que tem pavor ao autoritarismo. Conservadores honestos que defendem posturas menos ousadas e mais sustentáveis, etc.... E há também gente que sonha em revogar a lei Áurea, com um estado autoritário e forte para lhe dar respaldo; sindicalistas que defendem na verdade os benefícios apenas para uma elite de dirigentes; centristas que acham que podem auferir lucros dos dois lados e assim por diante.

Agora se dizer de saco cheio da divisão esquerda e direita; dizer que a luta de classe foi revogada; ou diminuir o embate capital-trabalho reduzindo a uma questão menor como Dilma-Temer. Brincadeira tem hora. É como dizer que a humanidade é essencialmente boa e pacífica. Que não houve três séculos de escravidão negra (é tudo invenção da Inglaterra vitoriana). Que o holocausto foi uma invenção da mídia sionista...

Sim gente. O PT errou feio. Como partido do lado do trabalho, jamais poderia perpetrar as concessões que praticou com o capital. Não poderia achar que os patrões, de uma hora para outro, iam aderir ao discurso da divisão da renda, que os filhos dos trabalhadores teriam direito a educação de qualidade e etc... Errou por se lambuzar num esquema de corrupção, que já corrompera o PSDB, o PMDB, o PP, o DEM e toda a classe política desde que a indústria da cana-de-açucar foi implantada em Pernambuco no século XVI.

Será que neste tempo todo, ninguém percebeu que o que mudou foram os políticos, os dirigentes sindicais, mas os corruptores são os mesmos, desde sempre. E que desde o Brasil Colônia, Imperial ou Republicano, o motor que moveu este país foi o patrimonialismo. Foram as práticas da elite econômica nacional que levaram o Brasil a posição desastrada e desgraçada a que chegamos agora.

Direita-esquerda; capital-trabalho; autoritarismo-liberalismo; estado-iniciativa privada; nada disso foi revogado. Está em pleno movimento. Se enche o saco da classe média brasileira. Azar o dela. No futuro, muito próximo, ela será cobrada pelo que está acontecendo agora, quando queria apenas tratar, como sempre fez, uma fratura exposta com um band-aid.

  

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