quinta-feira, 30 de março de 2017

Noite de pesadelo!



Yoda ao me despertar:"Acorda  e leva sua filha na escola"


Não. Não foi o jantar. Nem a solidão. Talvez tenha sido o cenário descrito por Jan Swatford, na monumental biografia de Beethoven, que ganhei de presente (e que presente!) do meu amigo Luís Massonetto. A imagem do gênio acuado, em um canto da sala de seu pequeno apartamento em Viena, enquanto a artilharia francesa despejava bombas e mais bombas. Fiquei com pena do maestro. Aquele bombardeio atingia diretamente o seu coração e derrubava seu sonho republicano.

Mas, o meu pesadelo me levou para bem longe da Viena do início do século XIX. Na verdade, eu estava em um país do hemisfério sul, em tempos atuais. Parecia um cenário de Ray Bradbury, em Farenheit 451. A comunicação se dava por mensagens curtas, duas ou três frases. Aprofundar era proibido, considerado chato e enfadonho. Aqueles que pensavam na história, na filosofia ou na política eram discriminados e apartados da sociedade. Só não havia bombeiros incendiando bibliotecas. Pelo menos naquele momento.

Nos escombros de uma sociedade que buscara o conhecimento, predominavam agora a auto-ajuda, o evangelismo e as soluções voluntaristas e pragmáticas. O passado era como uma praga. Pensar no futuro era considerado crime por enfado. Só existia o presente.

O quotidiano era um grande reality show, onde os derrotados eram execrados e apartados da sociedade. A utopia era a emoção. Uma montanha russa eterna, que nunca parava. Esse era o ideal daquela sociedade, onde a intimidade era constantemente devassada e exibida em uma espécie de arena romana, para delírio de todos.

Como numa Metrópolis futurista, os trabalhadores eram iludidos por um robô que os comandava para a extinção lenta e segura. Os mais jovens e mais ambiciosos eram poupados. Guindados a sociedade do consumo a partir de um ingresso em um parque de diversões constante onde colocariam sua capacidade de se emocionar à medida que as atrações se sucediam.

Era uma sociedade de normas severas. Estava proibido tratar de questões raciais, embora grassasse a discriminação. Gênero, diversidade, luta de classes nada disso podia ser questionado. Mas, também era um meio social limpo. Não havia chaminés, nem fábricas, muitas árvores. Ninguém comia carne. Nem mesmo de frango. Os capitalistas haviam descoberto uma forma de multiplicar seu capital sem lançar mão do trabalho ou da produção.

Aos velhos, como eu, era permitido a contemplação dos cenários da natureza. E na remota hipótese de algum jovem reclamar de enfado, estavam liberados para arguir da beleza do cenário natural, as montanhas, as praias, o jeito pacífico e malemolente  do povo, a música, a poesia, a sexualidade. Tudo continua lindo!

Não havia mais barreiras morais. O limite era se dar bem. Não importa se para isso fosse necessário transformar-se em traficante de drogas (o que era proibido) ou rufião.

No comando desta sociedade havia uma dualidade, cujos integrantes se alternavam. Um era um profissional do marketing e da propaganda. Um vendedor de sonhos que bajulava e era sustentado por uma cadeia de empresários, sempre insatisfeitos, absolutamente obcecados por limpeza, emoção e consumo. De outro, um antigo âncora de televisão, papa da auto-ajuda, bem-sucedido formador das opiniões mais rasteiras.

No meio dos ruinas do que parecia ser uma Nuremberg pós Segunda Guerra, encontrei lembranças de uma outra sociedade, que perecera depois de cinco séculos de patrimonialismo e que sonhara com a busca do conhecimento, a igualdade, a tolerância e o respeito. Havia sido triturada pela luta do poder.

Não. Não era o Planeta dos Macacos. Era o Planeta dos Medíocres.

De repente me vi em um interrogatório. Eu era o interrogado. E o interrogador, à medida que se tornava mais agressivo insistia em obter respostas: quantos livros você leu¿ Quem eram os autores¿ Quais eram os seus objetivos¿

O interrogador aproximou o seu rosto ao meu e em voz murmurante ainda me questionou: É verdade que você ouve sinfonias de Beethoven¿

Com o pavor que estava sentindo, finalmente despertei. O meu cachorro, Mestre Yoda, lambia a minha cara com ares de sapeca.

Fiz o café. Levei minha filha Nina para a universidade. Passeei com o Yoda pela vizinhança, para alívio inconteste dele. Voltei e arrebentei a vizinhança com o som da Quinta Sinfonia. No último volume.

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