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José Carlos Alves dos Santos: fio desencapado que revelou o esquema da Odebrecht, em 1993 |
Desculpe Juca Kfoury, mas não resisto em tomar emprestado o
teu refrão. Um artigo na Folha de hoje, assinado pelo competentíssimo Bernardo
Mello Franco, me fez voltar ao passado, mais precisamente ao segundo semestre
de 1993, em Brasília. Eu acabara de voltar as lides jornalísticas da
reportagem. Collor tinha ido para a cucuia, junto com a República de Alagoas. O
país transpirava satisfação por isso: a vitória dos caras pintadas, da sociedade
civil.
Pois bem. Um psicopata de nome José Carlos Alves dos Santos,
chefe do corpo técnico do Senado Federal, que cuidava da Comissão de Orçamento
estava com um sério problema. Sua esposa tinha desaparecido. Misteriosamente.
Sobretudo depois que a Imprensa (sempre ela) havia escancarado, que ele havia montado um ninho de amor numa superquadra de Brasília, com
ninguém menos que uma das secretarias de diretoria da todo-poderosa Odebrecht.
A paixão e a insegurança era tanta que José Carlos chegou a
contratar os serviços de um detetive particular para seguir a amante. A história
foi se enrolando e se tornando cada vez mais rocambolesca.
O irmão da amante era um piloto de avião, um destes aviões
executivos, e a Polícia Federal havia encontrado sinais de que o aparelho havia
transportado uma grande carga de cocaína. Na casa de José Carlos, claro, uma
mansão no Lago Norte, foi encontrada uma enorme soma em dinheiro embaixo do
colchão.
Naquela época, não se falava em delação premiada. Nada disso.
E José Carlos, começou a vazar pela imprensa uma série de
irregularidades da Comissão de Orçamento. Envolvimento de políticos,
evidentemente todos do baixo clero, alguns até folclóricos. Começou a passar
para a Polícia Federal planilhas que citavam deputados e senadores de diversos
partidos.
Logo foi instalada uma CPI, cujo relatório preliminar
mostrava como as empreiteiras se organizaram para corromper parlamentares e
superfaturas obras públicas. “A papelada revela a existência de um verdadeiro
governo paralelo, tocado pelas grandes empreiteiras”, afirmava a Folha, em dezembro
de 1993. O Jornal do Brasil sintetizava em manchete “CPI desvenda esquema de
corrupção envolvendo empreiteiras e políticos”. No texto dizia: “O
comprometimento se dava em três níveis: pagamento de propinas, ajuda para
campanhas políticas e presentes”.
À medida que a CPI avançava nas suas investigações, todos os
grandes nomes do Congresso estavam envolvidos. Alguns mais, outros menos. Mas,
todas as cabeças coroadas – não vou relacionar aqui, até porque todo mundo sabe
quem são – estavam no rolo.
Os bombeiros de então passaram a chamar as investigações de
“ameaça à democracia”. Falou-se em golpe militar, com tanta intensidade, que os
ministros militares do governo Itamar Franco foram consultados e a CPI
silenciou sobre os nomes envolvidos.
A República tremeu. Alguns "anões", deputados com baixa estatura
e pouca expressão política pagaram a conta com quatro renúncias e seis
cassações. Ninguém devolveu uma única moeda ao tesouro. Ainda me lembro da
noite em que estávamos no Piantella à espera dos parlamentares que deliberavam
sobre a CPI. Chegaram esfuziantes. Haviam enterrado a CPI do Orçamento e
salvado a República. Em tempo: parlamentares de todos os partidos, do PMDB, do
PSDB, do PT, do antigo PDS, todos.
Fui para casa com uma trava na garganta.
Quanto a José Carlos Alves dos Santos, ele havia encomendado
ao detetive particular, aquele que deveria ter seguido a amante, que matasse a
própria esposa e a enterrasse em Planaltina. O corpo foi encontrado depois que,
sob pressão, Lobo (este era o nome do detetive) admitiu o crime: “Doutor, nunca
vi homem tão cruel. Quando enterramos a mulher, ela ainda dava sinais de vida.
Ele mesmo pegou uma picareta e abriu a cabeça da dona”.
A amante secretária da Odebrecht e o irmão piloto
desapareceram. A investigação do tráfico de drogas também sumiu. José Carlos
foi condenado, cumpriu o sexto habitual, e hoje é um simpático vendedor de
automóveis usados na Cidade do Automovel, em Brasília.
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