domingo, 26 de março de 2017

Meninos, eu vi!

José Carlos Alves dos Santos: fio desencapado que revelou o esquema da Odebrecht, em 1993



Desculpe Juca Kfoury, mas não resisto em tomar emprestado o teu refrão. Um artigo na Folha de hoje, assinado pelo competentíssimo Bernardo Mello Franco, me fez voltar ao passado, mais precisamente ao segundo semestre de 1993, em Brasília. Eu acabara de voltar as lides jornalísticas da reportagem. Collor tinha ido para a cucuia, junto com a República de Alagoas. O país transpirava satisfação por isso: a vitória dos caras pintadas, da sociedade civil.

Pois bem. Um psicopata de nome José Carlos Alves dos Santos, chefe do corpo técnico do Senado Federal, que cuidava da Comissão de Orçamento estava com um sério problema. Sua esposa tinha desaparecido. Misteriosamente. Sobretudo depois que a Imprensa (sempre ela) havia escancarado, que ele havia montado um ninho de amor numa superquadra de Brasília, com ninguém menos que uma das secretarias de diretoria da todo-poderosa Odebrecht.

A paixão e a insegurança era tanta que José Carlos chegou a contratar os serviços de um detetive particular para seguir a amante. A história foi se enrolando e se tornando cada vez mais rocambolesca.

O irmão da amante era um piloto de avião, um destes aviões executivos, e a Polícia Federal havia encontrado sinais de que o aparelho havia transportado uma grande carga de cocaína. Na casa de José Carlos, claro, uma mansão no Lago Norte, foi encontrada uma enorme soma em dinheiro embaixo do colchão.

Naquela época, não se falava em delação premiada. Nada disso. E José Carlos, começou a vazar pela imprensa uma série de irregularidades da Comissão de Orçamento. Envolvimento de políticos, evidentemente todos do baixo clero, alguns até folclóricos. Começou a passar para a Polícia Federal planilhas que citavam deputados e senadores de diversos partidos.

Logo foi instalada uma CPI, cujo relatório preliminar mostrava como as empreiteiras se organizaram para corromper parlamentares e superfaturas obras públicas. “A papelada revela a existência de um verdadeiro governo paralelo, tocado pelas grandes empreiteiras”, afirmava a Folha, em dezembro de 1993. O Jornal do Brasil sintetizava em manchete “CPI desvenda esquema de corrupção envolvendo empreiteiras e políticos”. No texto dizia: “O comprometimento se dava em três níveis: pagamento de propinas, ajuda para campanhas políticas e presentes”.

À medida que a CPI avançava nas suas investigações, todos os grandes nomes do Congresso estavam envolvidos. Alguns mais, outros menos. Mas, todas as cabeças coroadas – não vou relacionar aqui, até porque todo mundo sabe quem são – estavam no rolo.

Os bombeiros de então passaram a chamar as investigações de “ameaça à democracia”. Falou-se em golpe militar, com tanta intensidade, que os ministros militares do governo Itamar Franco foram consultados e a CPI silenciou sobre os nomes envolvidos.

A República tremeu. Alguns "anões", deputados com baixa estatura e pouca expressão política pagaram a conta com quatro renúncias e seis cassações. Ninguém devolveu uma única moeda ao tesouro. Ainda me lembro da noite em que estávamos no Piantella à espera dos parlamentares que deliberavam sobre a CPI. Chegaram esfuziantes. Haviam enterrado a CPI do Orçamento e salvado a República. Em tempo: parlamentares de todos os partidos, do PMDB, do PSDB, do PT, do antigo PDS, todos.

Fui para casa com uma trava na garganta.

Quanto a José Carlos Alves dos Santos, ele havia encomendado ao detetive particular, aquele que deveria ter seguido a amante, que matasse a própria esposa e a enterrasse em Planaltina. O corpo foi encontrado depois que, sob pressão, Lobo (este era o nome do detetive) admitiu o crime: “Doutor, nunca vi homem tão cruel. Quando enterramos a mulher, ela ainda dava sinais de vida. Ele mesmo pegou uma picareta e abriu a cabeça da dona”.


A amante secretária da Odebrecht e o irmão piloto desapareceram. A investigação do tráfico de drogas também sumiu. José Carlos foi condenado, cumpriu o sexto habitual, e hoje é um simpático vendedor de automóveis usados na Cidade do Automovel, em Brasília.  

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