Yoda ao me despertar:"Acorda e leva sua filha na escola" |
Não. Não foi o jantar. Nem a
solidão. Talvez tenha sido o cenário descrito por Jan Swatford, na monumental
biografia de Beethoven, que ganhei de presente (e que presente!) do meu amigo
Luís Massonetto. A imagem do gênio acuado, em um canto da sala de seu pequeno
apartamento em Viena, enquanto a artilharia francesa despejava bombas e mais
bombas. Fiquei com pena do maestro. Aquele bombardeio atingia diretamente o seu
coração e derrubava seu sonho republicano.
Mas, o meu pesadelo me levou
para bem longe da Viena do início do século XIX. Na verdade, eu estava em um
país do hemisfério sul, em tempos atuais. Parecia um cenário de Ray Bradbury,
em Farenheit 451. A comunicação se dava por mensagens curtas, duas ou três frases.
Aprofundar era proibido, considerado chato e enfadonho. Aqueles que pensavam na
história, na filosofia ou na política eram discriminados e apartados da
sociedade. Só não havia bombeiros incendiando bibliotecas. Pelo menos naquele
momento.
Nos escombros de uma sociedade
que buscara o conhecimento, predominavam agora a auto-ajuda, o evangelismo e as
soluções voluntaristas e pragmáticas. O passado era como uma praga. Pensar no
futuro era considerado crime por enfado. Só existia o presente.
O quotidiano era um grande
reality show, onde os derrotados eram execrados e apartados da sociedade. A utopia
era a emoção. Uma montanha russa eterna, que nunca parava. Esse era o ideal
daquela sociedade, onde a intimidade era constantemente devassada e exibida em
uma espécie de arena romana, para delírio de todos.
Como numa Metrópolis
futurista, os trabalhadores eram iludidos por um robô que os comandava para a
extinção lenta e segura. Os mais jovens e mais ambiciosos eram poupados.
Guindados a sociedade do consumo a partir de um ingresso em um parque de
diversões constante onde colocariam sua capacidade de se emocionar à medida que
as atrações se sucediam.
Era uma sociedade de normas
severas. Estava proibido tratar de questões raciais, embora grassasse a
discriminação. Gênero, diversidade, luta de classes nada disso podia ser
questionado. Mas, também era um meio social limpo. Não havia chaminés, nem
fábricas, muitas árvores. Ninguém comia carne. Nem mesmo de frango. Os
capitalistas haviam descoberto uma forma de multiplicar seu capital sem lançar
mão do trabalho ou da produção.
Aos velhos, como eu, era
permitido a contemplação dos cenários da natureza. E na remota hipótese de
algum jovem reclamar de enfado, estavam liberados para arguir da beleza do
cenário natural, as montanhas, as praias, o jeito pacífico e malemolente do povo, a música, a poesia, a sexualidade.
Tudo continua lindo!
Não havia mais barreiras
morais. O limite era se dar bem. Não importa se para isso fosse necessário
transformar-se em traficante de drogas (o que era proibido) ou rufião.
No comando desta sociedade
havia uma dualidade, cujos integrantes se alternavam. Um era um profissional do
marketing e da propaganda. Um vendedor de sonhos que bajulava e era sustentado
por uma cadeia de empresários, sempre insatisfeitos, absolutamente obcecados
por limpeza, emoção e consumo. De outro, um antigo âncora de televisão, papa da
auto-ajuda, bem-sucedido formador das opiniões mais rasteiras.
No meio dos ruinas do que parecia
ser uma Nuremberg pós Segunda Guerra, encontrei lembranças de uma outra sociedade,
que perecera depois de cinco séculos de patrimonialismo e que sonhara com a
busca do conhecimento, a igualdade, a tolerância e o respeito. Havia sido
triturada pela luta do poder.
Não. Não era o Planeta dos
Macacos. Era o Planeta dos Medíocres.
De repente me vi em um
interrogatório. Eu era o interrogado. E o interrogador, à medida que se tornava
mais agressivo insistia em obter respostas: quantos livros você leu¿ Quem eram
os autores¿ Quais eram os seus objetivos¿
O interrogador aproximou o seu
rosto ao meu e em voz murmurante ainda me questionou: É verdade que você ouve
sinfonias de Beethoven¿
Com o pavor que estava
sentindo, finalmente despertei. O meu cachorro, Mestre Yoda, lambia a minha
cara com ares de sapeca.
3 vivas pro Yoda!
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