terça-feira, 11 de outubro de 2011

Um feriado complicado






O santuário de Aparecida: o maior templo mariano do mundo


Doze de outubro é o chamado feriado problema. Dia da criança, efeméride tipicamente comercial. Mas, é também o 529º aniversário da Descoberta da América, o dia que a humanidade descobriu que entre a Europa e a Ásia existia um modesto continente. O feito do almirante genovês, Cristovão Colombo, que navegava com a bandeira de Castela certamente está entre os mais notáveis da humanidade, equivalente a expedição da Apolo XI na Lua.

Mas, para nós brasileiros ou que vivemos no Brasil, este feriado é consagrado a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Com efeito, nesta data, em 1717, um grupo de pescadores depois de passar o dia jogando a tarrafa nas águas barrentas do rio Parahyba, não conseguiu puxar nem um mísero peixe para o bote. Já estavam prestes a desistir quando enfim puxaram uma imagem de uma madona de cedro, sem cabeça. Lançaram a tarrafa de novo e eis que veio também a cabeça. Lançaram mais uma vez e os botes até emborcaram de tanto peixe.

A pequena capela construída nas margens do rio transformou-se hoje no maior templo mariano do mundo e num supermercado de fé impressionante.


Imagem de Aparecida: negritude do cedro nas aguas do Parahyba


Mas, a aparição da Virgem Aparecida no Parahyba é das mais inconvenientes. Pois vejamos, descoberta por pescadores, feita de cedro o que lhe dá a aparência de negritude, em uma região dominada pelo trabalho escravo e, portanto, exposta ao sincretismo religioso.

Claro que no século XVIII o culto mariano era tolerado, mas o Vaticano não tinha nem idéia onde ficava este tal de rio Parahyba e mal e mal estava ainda com severas feridas pela omissão no episódio do massacre dos Guaranys e a destruição de seus redutos, na bacia do rio da Prata. América do Sul era praticamente um assunto proibido em Roma.

É bem verdade que algum tempo depois reconheceu a aparição da Virgem, mas colocou o processo em um dos seus infindáveis escaninhos.

Veio a Revolução Francesa, Voltaire, a filosofia do estado laico, o surgimento da burguesia, em suma o século XIX, e a Igreja absolutista e arrogante de Julio II, aquele que não emprestou importância a expedição colombiana, ficou contra a parede. De tal forma que o papa Pio IX, na verdade Giovanni Maria Mastai-Ferretti, protagonista do mais longevo pontificado, 31 anos, sete meses e 17 dias, deixou de lado seus arroubos liberais e transformou-se no último defensor do poder político da santa madre.


Pio IX: Vaticano I e a infalibilidade papal
 Pio IX enfrentou os clamores da República Romana e perdeu os estados papais para o rei Victorio Emanuel que unificara a Itália. Assustado escreveu a encíclica Quanta Cura de dezembro de 1864, onde condenou 16 proposições que contrariavam a visão católica na época. Esta encíclica foi acompanhada pelo famoso Syllabus Errarum, que condenava as ideologias do panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, socialismo, comunismo e várias outras formas de liberalismo religioso tidos por incompatíveis com a religião católica.

Adepto fervoroso de São Thomas de Aquino e da Summa Pontifice em 1854 proclamou o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria como sendo um dogma de fé da Igreja através da encíclica Ineffabilis Deus.

A pressão política e as novas ideologias assustaram tanto o Vaticano, que Pio IX instituiu o culto ao Sacre Coeur e convocou em 1869 o Concílio Vaticano I que consagrou a infabilidade papel como um dogma de fé.

Curiosamente depois desta contra-ofensiva romana, começaram a pipocar as aparições da Virgem na Europa: Lourdes e Fátima são apenas as mais famosas. Alguém se lembrou da Aparecida, que nestas alturas já era a Madona dos Romeiros e dos Tropeiros, e já desfilava uma série maravilhosa de milagres e promessas.

Em torno da modesta capela surgiu uma cidade, Aparecida do Norte. Mais tarde, a rodovia Presidente Dutra passaria por ela. Nos anos 70, iniciou-se a construção de uma basílica, afinal inaugurada em 1975. Eu estava lá. Era repórter do Diário Popular. Não havia nem a passarela, nem muito menos as torres tão visíveis. Apenas o átrio.

Eram mais de 500 ônibus de romeiros, mais carros, carroças, charretes, bicicletas. Não havia o estacionamento. Era um terreno baldio improvisado, com uma única saída. Cálculos primários falafvam em 250 mil a 300 mil pessoas.

A cidade não aguentou. Logo os esgotos começaram a estourar. Faltou água. Não havia comida. Para piorar formou-se uma tempestade tremenda com raios e relâmpagos. O Parahyba logo encheu e começou a inundar a cidade imprensando os romeiros contra a Dutra e as montanhas onde está o Cruzeiro.
Batia muita água. Acho que eu nunca vi uma chuva igual. O desespero dos romeiros era imenso. Os ônibus tentando sair do estacionamento acabaram se enredando de tal forma que ninguém conseguia sair.

Foi um horror sem tamanho. Houve pelo menos 200 mortes, fora a confusão, gente ferida, filhos perdidos.

No verão passado passei pelo mesmo cenário. A Basílica está terminada. É certamente o maior templo mariano do mundo. Há vários estacionamentos, com diversas saídas de emergência. Aliás, nesta quarta-feira mesmo que chova a valer, a cidade consegue ser esvaziada em minutos.

Há uma passarela ligando a nova basílica a velha capela na cidade. Só os mais devotos ainda sobem as escadarias de joelhos. A organização dos romeiros é perfeita. Uma tragédia como aquela não se repetirá nunca mais. E a Igreja de Bento XVI também não é a mesma de Pio IX. Ainda bem!  

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