domingo, 4 de dezembro de 2011

DIE DREIGROSCHENOPER

Mackie, de chapéu coco, o chefe de polícia e Polly: casamento conveniente


 Brecht: seus personagens tem a ver com a própria essência humana


Não! Não enlouqueci ainda. Trata-se da obra maiúscula de Kurt Weill e Bertold Brecht, The Threepenny Opera ou L’opéra de quat’sous ou ainda a Ópera dos Três Vintens, que teve uma versão brilhante adaptada por Ruy Guerra e Chico Buarque. É inquietante. Em qualquer versão. Pior: é atualíssima, não prescreve. É cínica. Cruel e gloriosamente imoral.

A história, em poucas palavras, se passa nas docas do rio Tâmisa, em Londres, onde um sórdido assassino, assaltante, explorador, de nome Mackie Messer impõe o seu reinado de terror, de crimes e de abuso. Ocorre que ele se apaixona pela filha do chefe de polícia, Polly, o que provoca uma grande confusão, até que o crime se associa a lei e todos são felizes para sempre. Todos, ou quase, o povo, o cidadão comum, continua sua sina de ser aterrorizado pelo Estado, agora mancomunado com o crime.

Lotte Lenya e Kurt Weill: atriz e compositor


Brecht dirigiu uma versão cinematográfica, em 1930, praticamente com o mesmo elenco da estréia, em Berlim, dois anos antes, formado por Lotte Lenya, Kurt Gerron, Will Trenk-Trebitsch e Erich Ponto.

O final dos anos 20 é um período de notória decadência na Alemanha – a chamada República de Weimar. Os valores éticos e morais haviam ido para o ralo, na mesma proporção que o Deutsche Mark . A sociedade estava toda corrompida. Vivia-se o cada um para si, com forte dose de epicurismo. O notável musical de Bob Fosse, Cabaret, é um retrato preciso daquela época, principalmente na caracterização de Joel Grey, que interpreta o mestre de cerimônias.

Brecht é um dos maiores escritores do século XX, reinventou o teatro moderno. O que incomoda na sua obra é que ele pode tanto falar da Guerra dos Cem Anos, da Europa pós Grande Guerra, da Idade Média, da França pós 1870 ou da Alemanha de Weimar, seus personagens guardam muito mais relação com a natureza humana do que com a história. Por isso são perenes e inquietantes. Mackie Messe é um escroto total, mas desfila com desenvoltura em todo o planeta. E a burguesia continua fazendo os acordos tanto com a aristocracia como com o crime organizado, desde que seus privilégios e seu modo de vida não sejam alterados.

O grande cineasta Marcel Ophuls realizou em 1969 um doloroso documentário sobre a França ocupada pelos nazistas entre 1940 e dezembro de 1944. E provou que o mito de que a Nação toda havia se unido sobre a bandeira da resistência era falso. Na verdade, a burguesia francesa  se acomodara e se sentia confortável com o anti-semitismo nazista, a perseguição aos comunistas e socialistas e, sobretudo, aos movimentos humanistas. O documentário foi execrado e considerado anti-patriota.

Antes de Ophuls, o britânico católico Graham Greene havia feito a mesma insinuação em o Décimo Homem, um romance que tem como ponto de partida a seleção de um burguês francês como refém da Gestapo pela morte de um general nazista perpetrada pelo Resistência. Estranhamente o livro desapareceu e até o filme, ainda que interpretado por Anthony Hopkins e Emma Thompson.

Versão de Ruy Guerra e Chico Buarque: Mackie vira contraventor

No Brasil, a obra de Brecht foi ambientada no Rio, mais precisamente na Lapa, e Mackie Messer se transformou em um bicheiro. Aliás, a burguesia brasileira sempre foi fascinada pelo sucesso, independente dele ter sido alcançado por força da contravenção, do lobby ou do tráfico.  Setores progressistas da política tem o péssimo hábito de se envolver com potentados econômicos, sem questionar a origem dos recursos, ou a finalidade de determinadas “ajudas”.  É a fascinação tola, que não questiona nem os meios nem os fins.

Ainda me lembro quando a polícia do governador Nilo Baptista arrebentou a caixa forte de Bangu e se apoderou do famoso livro caixa de Castor de Andrade.  Foi um salseiro danado. Até o santo Betinho tinha dinheiro da contravenção em sua conta bancária em Nova York. Como sempre, a sociedade escondeu o Mackie Messer embaixo do tapete.

E nesta toada vamos! Ao som da balada de Meckei, que já foi cantada até por Frank Sinatra. É uma bela canção. Clique aqui e ouça a canção de Mackie Messer na voz de Frank Sinatra.

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